Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 20, 2007

A economia favorece a dinastia Kirchner

O poder da dinastia Kirchner

Com a eleição de Cristina, os argentinos
reafirmam seu fascínio por primeiras-damas


Duda Teixeira, de Buenos Aires

Natacha Pisarenko/AP
A primeira-dama em campanha, no lugar do marido, que preferiu não se reeleger: de marido para mulher, como foi com Perón


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O momento é especial para a Argentina: o país está prestes a entronizar uma nova dinastia, a dos Kirchner. No próximo domingo, 28, Cristina Fernández de Kirchner deverá ser eleita presidente sem precisar fazer grande esforço. Ela não compareceu aos debates, não explicou seu programa de governo e não deu entrevista. Sua folgada posição à frente das pesquisas de intenção de voto nem sequer oscilou com a crise energética e os escândalos de corrupção envolvendo o governo de seu marido, o presidente Néstor Kirchner, que incluem a descoberta de uma bolsa recheada com dólares no banheiro da ministra da Economia. Se confirmados os prognósticos, Cristina deverá ficar cerca de 20 pontos porcentuais à frente do segundo candidato. Mesmo em um improvável segundo turno, que poderá ocorrer caso ela não alcance 40% dos votos válidos, sua vitória é dada como certa.

Não é a primeira vez que os argentinos se deixam enfeitiçar pela mulher do presidente. Nas duas ocasiões anteriores a experiência terminou em tragédia. Evita Perón morreu jovem, de câncer. Isabelita, viúva e herdeira de Juan Domingo Perón, foi derrubada por um golpe militar. O que será da Argentina no segundo governo da dinastia Kirchner? VEJA fez essa pergunta a dez intelectuais, políticos e economistas argentinos, todos eles referências em suas áreas de atuação. O que se lê nesta reportagem é baseado em suas respostas. Leia entrevistas mais completas.

Natacha Pisarenki/AP
Fila em açougue de Buenos Aires: limite à exportação de carne para baixar os preços internos

A sucessão se dará em um cenário favorável aos planos da dinastia (que são Kirchner suceder a Cristina na eleição seguinte, e assim por diante). O atual presidente teve a sorte de governar a Argentina durante a fase de recuperação que se seguiu a uma crise de quatro anos, a qual terminou em 2002. O período de bonança pode perfeitamente perdurar por mais quatro anos, mas o mais provável é um futuro problemático. Cristina terá de arcar com as conseqüências das decisões populistas tomadas pelo marido para acelerar o crescimento econômico do país de maneira drástica. Nos últimos doze meses, o aumento explosivo do consumo e dos gastos públicos fez com que a inflação real – não a maquiada pelo governo, mas a dos economistas independentes – alcançasse níveis próximos a 20%. Ao mesmo tempo, os investimentos externos caíram como resultado, em parte, de uma postura hostil de Kirchner em relação a empresas estrangeiras e de sua política de controle de preços.

Por enquanto, os efeitos desses problemas não foram suficientes para mudar o humor dos argentinos. Isso porque, embora o PIB do país ainda não tenha chegado aos níveis de 1998 quando medido em valores correntes – que expressam a riqueza do país em relação a outras nações –, a Argentina está se recuperando de maneira surpreendente. Desde a crise provocada pela paridade forçada entre o dólar e o peso, a economia cresce a taxas de quase 9% ao ano. O desemprego baixou de 22,5% para 7,7%, no mês passado, e os elegantes cafés de Buenos Aires estão lotados de portenhos e de turistas. Hoje, 27% dos argentinos vivem em situação de pobreza. É uma boa notícia. Há cinco anos, mais da metade da população estava nessa condição.

Juan Mabromata/AFP

Chávez e Kirchner: bom amigo, ele patrocinou o ingresso do coronel no Mercosul


Em meio a um ambiente tão favorável, Kirchner e sua sucessora dão de ombros a qualquer previsão de tempo ruim. Nas últimas semanas, Kirchner adotou medidas populistas para estimular ainda mais o consumo. Pressionados pelo governo, os bancos passaram a oferecer empréstimos que, considerando a taxa de inflação real, terão juros negativos. "O resultado inevitável será mais inflação", diz o economista Daniel Marx, um dos principais negociadores da dívida externa argentina nas décadas de 80 e 90. Na tentativa de esconder o problema debaixo do tapete, Kirchner passou os últimos dois anos pressionando as redes de supermercado a fazer congelamento voluntário de preços.

O casal Kirchner se mostra indiferente aos riscos dessa estratégia. O presidente e sua mulher beneficiam-se do chamado efeito teflon – nenhuma notícia ruim cola neles. Em parte, isso se deve a políticas assistencialistas, como conceder aposentadoria a 1,4 milhão de pessoas sem que tenham contribuído para a Previdência. Recursos para isso o governo tem tirado do aumento da arrecadação de impostos e do crescimento na exportação de grãos. "A soja está para Kirchner como o petróleo está para o venezuelano Hugo Chávez", diz o advogado Mariano Grondona, colunista do diário La Nación.

Descobrir se Cristina fará alguma alteração nas políticas do marido é tão difícil quanto saber o número de plásticas que ela já fez. A candidata, de 54 anos, já dá palpite nos rumos do governo: as decisões políticas do casal Kirchner são tomadas apenas entre os dois. No atual governo, nem sequer há reuniões com os ministros. Os vagos slogans da campanha de Cristina também trazem poucas respostas. Por todo o país, a frase ao lado de sua foto é: "Sabemos quais são os problemas. Sabemos o que fazer". A economista e deputada Mercedes Marcó del Pont (veja a entrevista) é uma das poucas pessoas habilitadas a falar sobre o plano de governo de Cristina. Suas opiniões, centradas no aumento da intervenção do estado na economia, permitem antever um pouco mais do mesmo. Há, no entanto, um elemento positivo na personalidade de Cristina. O marido, antes apenas um obscuro governador de província sem importância, é ríspido e avesso a conversas com adversários. Ela é afável nas negociações políticas. Senadora há três mandatos, Cristina está habituada ao jogo do ceder-para-receber da política.

No plano externo, há esperanças de que ela inicie uma maior abertura do país, contrariando a tendência argentina ao isolamento. Isso porque, ao contrário do marido, ela recebe embaixadores estrangeiros e gosta de viajar ao exterior. Nos últimos meses, Cristina reuniu-se com Lula, o premiê espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, e o ex-presidente americano Bill Clinton. Esse tipo de aproximação é necessário para fazer desvanecer as desconfianças dos investidores estrangeiros. Não faz muito tempo, Kirchner bradava a empresários europeus que não toleraria aumento de tarifas de serviços públicos porque todos já haviam ganho dinheiro demais no país. As afrontas ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que levou da Argentina o maior calote de sua história, continuam em curso. Em um comercial de televisão de Cristina que estreou na última semana, o locutor afirma que "queremos que os filhos de seus filhos não tenham idéia do que significa o FMI". Na boca de Kirchner, esse tipo de retórica fez com que os investimentos externos diretos na Argentina caíssem 4% em 2006, enquanto no Brasil houve um aumento de 25%. "Outro sinal de temor externo é que poucos estrangeiros se aventuram na Bolsa de Buenos Aires, onde o volume movimentado representa apenas 1,3% do da Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa", diz o investidor Eduardo Costantini.

Restaria, então, contar com os investidores nacionais, mas estes andam igualmente ressabiados. O congelamento de preços e as dificuldades impostas à exportação inibem os investimentos. Durante três meses do ano passado, os produtores de carne foram impedidos de exportar. A justificativa do governo é que o bife poderia escassear nos açougues nacionais, pressionando os preços para cima. Hoje, há um limite para a exportação, e muitos pecuaristas estão deixando de investir no rebanho para plantar soja, quatro vezes mais rentável. No ano passado, o número de cabeças de gado encolheu 7%. "Para o governo, os pecuaristas já foram muito privilegiados", diz Luciano Miguens, presidente da Sociedade Rural Argentina. "É uma lástima não poder aproveitar um momento tão bom do mercado internacional." Um fato desalentador é que, analisando-se a história argentina, poucos políticos conseguiram manter uma linha moderada de governo, como seria de desejar. "Governar a Argentina é como dirigir um carro em alta velocidade na lama: o mais difícil é ficar no meio da pista", diz o historiador Fernando Devoto, da Universidade de Buenos Aires. Cristina Kirchner não parece que será uma exceção.

Com reportagem de Denise Dweck

A FUTURA SENHORA DA ECONOMIA

A deputada Mercedes Marcó del Pont, 48 anos, prepara-se para assumir o Ministério da Economia no governo Cristina Kirchner. Porta-voz em economia da candidata peronista e diretora da Fundação de Pesquisas para o Desenvolvimento (Fide), um instituto de Buenos Aires que se propõe ser um "contraponto ao neoliberalismo", Mercedes concedeu a seguinte entrevista a VEJA em seu gabinete, no Congresso Nacional, em Buenos Aires:

Editoral Perfil


O ATUAL RITMO DE CRESCIMENTO DO PIB ARGENTINO É SUSTENTÁVEL?
A economia mundial passa por uma fase prolongada de crescimento. Precisamos aproveitar esse cenário. A Argentina deve manter o crescimento por mais dez anos. Provavelmente não no ritmo atual de quase 9% ao ano, mas ainda em níveis altíssimos. Alguns economistas dizem que seremos forçados a reduzir para uma taxa anual de 4%. Essa idéia não tem fundamento. Os prognósticos são todos favoráveis. Os investimentos, a demanda interna e o comércio continuam aumentando.

A POLÍTICA ECONÔMICA DE NÉSTOR KIRCHNER SERÁ MANTIDA?
Cristina tem dito claramente que pretende continuar com as linhas estratégicas do atual governo. Vamos trabalhar pela inclusão social e pela melhoria dos salários, para aumentar o consumo sobretudo nas classes média e baixa. Também vamos procurar maior interação dentro de um Mercosul ampliado com o ingresso da Venezuela, da Bolívia e do Chile.

QUE MEDIDAS SERÃO TOMADAS PARA CONTER A INFLAÇÃO?
A inflação na Argentina não se deve ao aumento do consumo, pois o país tem capacidade para suprir a demanda. O problema são os preços dos alimentos no mercado internacional. Eles subiram demais, o que termina por pressionar o custo dos produtos no mercado nacional. Outro fator que eleva os preços é a existência de oligopólios. As empresas são poucas, o que lhes dá poder para determinar os preços. Os empresários querem aumentar os lucros de imediato porque dizem não saber como será o futuro. Por isso, precisamos de um estado que intervenha e regule, controlando os preços e definindo os volumes de exportações.

POLÍTICAS DESSE TIPO COSTUMAM AFASTAR OS INVESTIDORES EXTERNOS...
Precisamos explicar aos investidores estrangeiros que não há perigo na Argentina. Há quatro anos não mudamos as regras do jogo. Não há condições para uma espiral inflacionária, e o Banco Central seguirá atuando para manter o câmbio. Por outro lado, é correta a idéia de que continuaremos com intervenções e arbitragens na economia. Evidentemente, isso pode causar receio. Mas foi essa política que nos permitiu crescer quase 9% ao ano. O que não vamos fazer é recorrer à fórmula dos anos 90 para atrair investimentos estrangeiros a qualquer custo. Esse modelo incluía flexibilizar a legislação trabalhista e deixar que o mercado decidisse tudo, possibilitando a certos setores da economia uma rentabilidade exagerada.




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