Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 05, 2007

Dora Kramer - Aula magna




O Estado de S. Paulo
5/10/2007

Pela segunda vez em menos de dois meses, o Supremo Tribunal Federal proporcionou ao País um debate sobre política em termos inteiramente diferentes daqueles patrocinados diariamente por partidos, parlamentares, agentes públicos e personalidades de destaque na sociedade, que consideram vitórias eleitorais motivos suficientes para que se ignorem os demais valores democráticos.

Independentemente da decisão final sobre a cassação dos mandatos dos parlamentares que trocaram de partidos, há o valor da tomada de posição dos ministros do Supremo sobre a fraude representada na cooptação a partir da qual governos pretendem “reorganizar” o resultado de eleições e certos eleitos fazem de seus mandatos um objeto de negociação.

Foi substancial o que o tribunal permitiu ontem ao País assistir em termos de idéias relativas à educação política dos cidadãos. Foram lições valiosas aquelas expostas pelos ministros do STF. Eles não se limitaram a julgar, sob a norma fria da lei, três mandados de segurança.

Disseram com todas as letras que alguém se eleger por um partido e se transferir para outro sem justificativa muito bem embasada equivale a uma fraude eleitoral, usurpação dos direitos do eleitor.

Consolidaram a tese da subversão do sentido do sistema eleitoral representada na apropriação do mandato pelo parlamentar que dispõe dele como se dispõe de um bem particular.

Em agosto, o Supremo já havia indicado tendência de aplicar novas balizas ao exame de práticas viciosas na política, algumas até consagradas pela tradição.

Ontem, a Corte, cada vez mais suprema em sua capacidade de sustentar o resto de respeito que as pessoas têm pelas instituições e de não deixar que a desesperança dizime a crença no sistema representativo, deu uma verdadeira aula magna sobre conceitos solapados pelo cinismo vigente.

O Supremo falou sobre respeito.
Respeito às leis, às minorias, aos partidos, ao resultado das eleições, ao exercício da crítica, ao eleitor, à civilidade, à lógica, à legitimidade, aos compromissos assumidos, ao direito de reformar esses mesmos compromissos dentro da legalidade e da observância de razões que não a mera obtenção de vantagens materiais e, sobretudo, falou sobre a deformação da ótica segundo a qual, uma vez ganha a eleição, tudo o mais deve a essa situação se submeter - inclusive o equilíbrio das forças políticas representadas no Parlamento.

Haverá quem diga que o Supremo, festejado quando do acatamento da denúncia dos 40 do escândalo do mensalão, extrapola e corre atrás de mais reconhecimento popular. Há boa dose de cinismo e amoralidade nesse tipo de avaliação, mas, ainda que fosse verdadeira, melhor um Judiciário que age na direção esperada pela sociedade no tocante à ética das instituições, do que um Legislativo - e por que não dizer, um Executivo - que caminha no sentido oposto.

Outro lado
A decisão ainda preliminar do Senado de afastar os processados por quebra de decoro dos cargos na Mesa, nas comissões e na corregedoria da Casa é salutar e necessária. Um avanço, sem dúvida.

Em contrapartida, ficará mais difícil aprovar abertura de processos. Quanto mais poder tiverem e a partidos fortes pertencerem, mais esforços empreenderão e mais apoio dos correligionários os investigados terão para evitar a abertura dos processos.

Opção preferencial
O PMDB decidiu tirar da Comissão de Constituição e Justiça do Senado os dois únicos remanescentes de uma geração histórica - e bem mais decente - do partido: Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon.

O porta-voz da idéia, o suplente Wellington Salgado, além de não ter um pingo de educação parlamentar, é alvo de processo por sonegação. A Associação Salgado de Oliveira - note-se - de Educação e Cultura deve R$ 4 milhões em impostos.

Quatro vezes mais que a dívida de R$ 1 milhão do PSOL usada por Renan Calheiros para constranger a ex-senadora Heloísa Helena durante a sessão secreta que o absolveu do primeiro processo por quebra de decoro parlamentar.

Deformação
Já são dois os livros didáticos de didatismo dirigido à semelhança do pensamento vigente no poder, denunciados pelo jornalista Ali Kamel, em O Globo.

O truque de apresentar pontos de vista como verdade histórica é o velho dirigismo com o objetivo de capturar os mais pobres - hoje os usuários quase exclusivos da escola pública - como massa de manobra.

Dos jovens deformam-se as mentes desenhando-as à semelhança de um pensamento específico. Nos pais reforça-se, mediante remuneração assistencialista, ainda mais o conceito de que governantes bons são governantes paternalistas e populistas.

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