Vale mais aperfeiçoar a CPMF do que extinguir o tributo; há margem para entendimento político em torno da questão
FOI-SE O TEMPO em que palavras como "entendimento", "consenso" e "negociação política" evocavam imagens positivas na opinião pública. Conceitos desse gênero -que, a rigor, são inerentes à prática de um Legislativo democrático- tendem a constar, hoje em dia, como sinônimos pouco ou nada eufemísticos daquilo que se entende vulgarmente por negociata, conchavo e barganha fisiológica.As dificuldades do governo Luiz Inácio Lula da Silva com a prorrogação da CPMF no Senado talvez terminem contribuindo, contudo, para restituir ao conceito de "negociação" algo de seu significado original.
Seria irrealista imaginar que não entrem em ponderação, no exame do assunto, ofertas de cargos e vantagens pessoais. Todavia, surgem sinais de que os entendimentos em torno da CPMF possam atender ao interesse público -e não apenas à conveniência dos parlamentares e dos partidos envolvidos na questão.
Várias possibilidades estão em jogo. Cogita-se, por exemplo, de aprovar a prorrogação desde que o governo se comprometa a um decréscimo gradativo de sua alíquota ao longo dos anos. Dispositivos no sentido de aumentar a progressividade desse tributo -como a de isentar de seu pagamento os contribuintes de renda mais baixa- também começam a ser objeto de discussão.
São os "docinhos", no dizer da líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), sem os quais, a seu ver, serão virtualmente intransponíveis os obstáculos criados pela oposição ao projeto do Executivo federal. Ainda que seja perceptível o tom desdenhoso da metáfora, trata-se pelo menos de um universo de considerações superior ao que, recentemente, ocupava o seu colega governista Wellington Salgado -mais interessado nos próprios chinelos que em contentar o paladar do contribuinte.
Longe se está, evidentemente, de uma discussão aprofundada a respeito do sistema tributário e das incontornáveis contrapartidas em termos de contenção de gastos que, a cada esforço arrecadatório do governo, cumpre exigir com máxima ênfase.
Ainda assim, um espírito de negociação legítima começa a impregnar as discussões no Senado, substituindo as intransigências iniciais do governo e da oposição. As frases sombrias do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que ressaltou a necessidade de novas fontes de arrecadação caso a CPMF não passe no Senado, deram lugar a hipóteses de tom mais conciliador, admitidas pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.
Enquanto isso, na própria oposição o clima de "tudo ou nada" não une PSDB e DEM numa mesma linha de enfrentamento. A saída de Renan Calheiros sem dúvida desanuviou o clima no Senado; governadores de diversos partidos têm interesses próprios na questão; a CPMF é um tributo que vale bem mais a pena aperfeiçoar do que extinguir. É hora, portanto, de negociação: que seja feita, desta vez, no bom sentido do termo.