Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 20, 2007

China O país começa a exportar inflação


Inflação made in China

Produtos chineses baratos permitiram à economia mundial
resistir à alta do petróleo. Agora os preços sobem no país
asiático e já forçam reajustes no resto do planeta


Cíntia Borsato

Jason Lee/Reuters
Restaurante em Pequim: no Ano do Porco, a carne ficou 50% mais cara e inflou o índice de preços

O preço de roupas, brinquedos e eletrônicos fabricados pelos chineses caiu sem interrupção durante anos a fio. Foi graças a esse fenômeno, de dimensão econômica avassaladora, que a alta do petróleo não acelerou a inflação mundial, mantendo intacto o custo de vida dos consumidores em praticamente todos os países. Segundo especialistas, para cada 1 dólar de poder de compra perdido com o aumento da gasolina, 1,50 dólar voltou para os consumidores americanos na forma de produtos chineses mais baratos e competitivos. Mas esse efeito pode estar com os dias contados. Nos últimos meses, as mercadorias "made in China" começaram a encarecer. Trata-se do mais novo efeito do milagre chinês na economia global. Mais ricos, os chineses elevaram seu padrão de consumo, o que pressionou os preços internos. Essa alta de custos foi transferida para o valor das exportações. Na prática, a China começa a exportar inflação. Nos Estados Unidos, esse fenômeno só foi percebido em maio passado, quando o preço médio dos importados chineses aumentou pela primeira vez (veja quadro). Essa novidade chamou a atenção de Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) entre 1987 e 2005. Durante os dezoito anos em que comandou o Fed, Greenspan contou com a ajuda das importações baratas para manter a inflação americana sob controle – por isso sua preocupação agora. Seu receio é que as mercadorias chinesas, em vez de desinflar, comecem a empurrar para cima os índices de preços.

O salto inflacionário chinês deve-se, sobretudo, ao maior consumo de alimentos, cujos preços acumulam um aumento de 18% nos últimos doze meses (a carne ficou 50% mais cara). É o tipo de efeito que ocorre quando uma nação com 1,3 bilhão de pessoas se urbaniza, passa a freqüentar restaurantes (como o da foto acima, decorado sob a inspiração da tenebrosa revolução cultural maoísta) e comprar comidas mais caras. Outra inevitabilidade da riqueza chinesa é que os salários, até recentemente irrisórios nas comparações internacionais, também estão em trajetória de alta. A nova geração de trabalhadores não se submete à baixa remuneração que era a norma desde que a China se abriu ao mundo, há duas décadas. Até recentemente, um salário entre 105 a 145 dólares era considerado razoável para um operário. Hoje, um trabalhador com experiência exige pelo menos 200 dólares ao mês (o equivalente ao salário mínimo brasileiro). Tudo isso contribuiu para despertar o dragão inflacionário na China, imediatamente embutido no preço dos produtos exportados pelo país.

Os analistas não sabem estimar ao certo o impacto que isso terá na inflação mundial, mas acreditam que esse processo possa estar apenas no começo. Afirma o economista Fernando Ribeiro, da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex): "À medida que a indústria chinesa migra de produtos de baixo valor para os de maior tecnologia, é difícil manter preços tão baixos". Trata-se de um cenário preocupante, especialmente tendo em vista o poder que os produtos chineses vinham tendo de anular a escalada nos preços do barril do petróleo. Na semana passada, a cotação do barril atingiu 90 dólares. O produto não custava tão caro desde 1980, durante a segunda crise do petróleo (veja quadro). Naquela ocasião, as conseqüências globais foram drásticas: anos seguidos de inflação fora do controle, acima de 10% ao ano, e recessão. Nada disso ocorreu recentemente, e boa parte da explicação se deve ao papel da China como fábrica mundial de mercadorias a custo baixíssimo. O temor, agora, é que a China se transforme num gigantesco exportador de inflação. Os efeitos da remarcação chinesa, ainda tímidos, já são sentidos em todo o planeta, inclusive no Brasil. De acordo com dados da Funcex, o preço das importações chinesas já subiu 4% desde o começo do ano.

A boa notícia é que a economia mundial nunca foi tão aberta e competitiva. Se um fabricante aumenta preços, aparece logo outro para ocupar seu espaço. Afinal, mais que a própria China, a globalização é o grande dínamo da prosperidade mundial nesse início de novo milênio.




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