Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 05, 2007

Celso Ming - Porta arrombada



O Estado de S. Paulo
5/10/2007

Em artigo publicado em vários jornais da América Latina no último fim de semana, o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos pediu a instituição de mecanismos de regulação que impeçam o surgimento de crises tão sérias como a do crédito hipotecário de alto risco (subprime), que quase levou a economia mundial a breca.

Lagos não é claro sobre o que teria de ser feito. A atual crise se caracterizou por duas inovações: desintermediação bancária e securitização financeira.

Os bancos quase não participaram desse festival. Boa parte dos recursos veio do lançamento de ações de sociedades de crédito imobiliário, de venda de cotas de fundos hipotecários administrados por empresas, escritórios de financistas ou instituições parecidas, ou de empréstimos feitos por empresas por meio de títulos privados (commercial papers). Em geral, os bancos ficaram de fora e é a isso que se chama desintermediação bancária.

O interessado levanta um financiamento de US$ 1 milhão para comprar uma casa. A casa passa a valer US$ 1,5 milhão e essa valorização serve de base para lançar uma nova hipoteca.

Boa parte dos recursos destinados para esses novos empréstimos foi obtida por meio de repasse dessas hipotecas a investidores, em pacotes (daí a securitização) onde se juntavam créditos bons e outros, nem tanto. A crise ocorrida em agosto não se deu por falta de liquidez, mas por falta de clareza sobre quem poderia micar com hipotecas podres.

Esta coluna já alertou para as lacunas de regulação. O sistema financeiro possui meios de controle das operações bancárias, mas não tem nada parecido para o crédito concedido fora dos bancos. Daí o clamor por mais regulação, que Lagos está reforçando.

Como sempre, os governos só cuidam da tranca depois do arrombamento da porta. Ainda assim, demoram anos para criá-las e nem sempre elas se revelam eficazes. Os recentemente adotados mecanismos de segurança bancária (critérios de Basiléia) estão sendo testados e revistos desde os anos 80. Com a desintermediação, esses critérios passaram a ser vistos como uma Linha Maginot, o sistema de defesa da fronteira norte da França construído para deter o avanço dos alemães, que não funcionou porque foi facilmente contornado.

As crises da Enron e da WorldCom, em 2001 e 2002, demonstraram que os administradores estavam fraudando a contabilidade das empresas e, assim, lesando os acionistas minoritários. Após enormes pressões e mais de um ano de debates, o Congresso americano votou a Lei Sarbanes-Oxley, que exigiu mais rigor nas demonstrações contábeis. Funcionou? A crítica que hoje se faz é a de que a Sarbanes-Oxley engessou a administração das empresas, a ponto de já não se saber o que mais prejudica: se o sistema anterior ou se o atual.

A número 2 do Fundo Monetário Internacional, Anne Krueger, tem dito que esses mecanismos reguladores chegam sempre tarde demais e, então, são inúteis, porque o mercado inventou outras formas de burla. E, se for verdade que a próxima bolha será a das bolsas, já se saberá que pouco há a fazer para evitar seu estouro - se é que vai estourar.

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