Coluna - Coisas da Política - Augusto Nunes |
Jornal do Brasil |
3/10/2007 |
Sob a estreita vigilância da zagueira americana, Marta hasteou o corpo magro e rijo nas cercanias da grande área e esperou a bola que lhe chegava mansamente. Recolheu-a com a ponta do pé esquerdo, aninhou-a no dorso, ergueu-a até a altura do joelho e deu por encerrados os preparativos para o espetáculo: os devotos do futebol seriam presenteados com uma das jogadas mais soberbas de todos os tempos. Enquanto o corpo contornava o flanco direito da marcadora, Marta ordenou à bola, com o calcanhar esquerdo, que desenhasse no lado oposto outra meia-lua imaginária. Ao se reencontrarem no ponto final das curvas espantosamente simétricas, a artista e seu instrumento estavam às costas da adversária atônita, mas diante de duas zagueiras aflitas. Com um toque de direita, Marta livrou-se da barreira humana e invadiu a pequena área como se percorresse uma trilha paralela à linha que liga as traves do gol. Qualquer atacante concluiria o lance com um chute cruzado no canto à sua direita. Como não é uma atacante qualquer, a jovem com a camisa 10 interrompeu bruscamente a corrida com um giro de cintura de 90°, colocou-se de frente para o alvo e, agora com o dorso do pé direito, mirou no canto à sua esquerda. Foi o segundo gol de Marta e o quarto do Brasil na vitória contra os Estados Unidos. Reprisada milhares de vezes por emissoras de televisão de todo o planeta, de todos os ângulos e em todos os ritmos, a invenção da sublime solista figura na antologia das jogadas imortais desde o momento em que a bola beijou a rede. Já não seria pouco. Mas foi muito mais que isso. Foi um gol que mudou a história. A história do futebol feminino e a história de uma alagoana genial. O gol de Marta revogou para sempre, por exemplo, o temor que sempre perturbou as meninas do Brasil nos confrontos com a mítica equipe americana - invicta havia 51 partidas, três vezes campeão do mundo, ainda na liderança do ranking das seleções quando começou a Copa da China. O gol tornou irrelevante a final contra a Alemanha. Fosse qual fosse o resultado, o futebol feminino brasileiro conseguira a merecidíssima certidão de nascimento, engavetada anos a fio pela frente ampla formada por cartolas ineptos, preconceituosos uterinos e patrocinadores sem visão. As coisas estão mudando, avisa a reportagem publicada nesta terça-feira pela Gazeta Mercantil. A CBF promete para outubro o início do primeiro campeonato brasileiro. Empresas privadas e estatais enxergaram a vitrine de dimensões amazônicas. Emissoras de TV agora disputam direitos de transmissão a cotoveladas. Até que enfim. O gol de Marta comunicou a arquibancadas e gerais que as mulheres ressuscitaram a velha receita que, misturando talento e a força, resulta numa forma de arte que se chama futebol - e andam jogando como jogavam os craques de antigamente. Graças a Marta, o Brasil pode exibir sem acanhamento o título de país do futebol. O gol de Marta transformou a melhor jogadora de 2006 numa rainha incontestada dos estádios. Melhorou a imagem de Alagoas: a terra de Renan Calheiros também é o berço da artilheira da Copa. E confiscou da ministra do Turismo o privilégio de identificar-se apenas pelo primeiro nome. Agora, terá de apresentar-se como Marta Suplicy. Marta Tereza, Companheira Marta, algo assim. Simplesmente Marta, só existe uma no Brasil. É esse o nome da lenda que nasceu na China. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, outubro 03, 2007
AUGUSTO NUNES O país se ajoelha aos pés de Marta
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