Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 20, 2007

As dicas da especialista Gloria Kalil

E agora, o que é que eu faço?

O básico é fácil: as pessoas querem saber o que
vestir. Já as dúvidas sobre costumes novos dão
um trabalhão à especialista Gloria Kalil


Sandra Brasil

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Nesta reportagem
Quadro: Pergunte à Glória
Exclusivo on-line
Trecho do livro

Quais as grandes dúvidas da humanidade? Em matéria de etiqueta, não poderiam ser mais simples. As mulheres querem, acima de tudo, saber o que usar num casamento. Os homens continuam confusos na hora de escolher a cor das meias. E todos se atrapalham (sim, até hoje) com a ordem dos talheres e copos à mesa. Será que é só isso? Gloria Kalil, a especialista em moda que meio por acaso virou conselheira nacional em assuntos de etiqueta e comportamento, constata na prática que não. Num mundo em rápida transformação, as mudanças de valores e de referências éticas e morais provocam dúvidas que chegam a Gloria por meio do popular quadro que faz a cada quinze dias no Fantástico, em palestras e, claro, nas ruas, onde sempre aparece uma perguntazinha. No fundo, as pessoas querem saber o que é certo e o que é errado. Nem sempre é possível resolver esse anseio. "Etiqueta é uma resposta a situações recorrentes. Existem situações novas para as quais ela ainda não tem resposta. Em breve, vai ter. Dos costumes sai a convenção", diz Gloria.

Exemplo de situação dúbia: o hábito dos noivos contemporâneos, em especial a partir do segundo casamento, quando já moram juntos e têm tudo, de pedir dinheiro de presente. Do ponto de vista pragmático, nada mais lógico. Os presenteados não recebem uma montanha de coisas inúteis, os presenteadores fazem uma transferência eletrônica e, pronto, problema resolvido. Além do bem-vindo dinheirinho, noivos mais preocupados também gostariam de encontrar uma maneira elegante de fazer o pedido. "Pelo menos por enquanto, não existe", diz Gloria, fiel à escola tradicional de bom comportamento. "A etiqueta vai responder, mas ainda está engasgada com essa novidade." O materialismo conjugal pode realmente ferir suscetibilidades. A empresária Regina Vergueiro se sentiu ofendida ao receber, juntamente com o convite para um suntuoso casamento em São Paulo, um envelope vazio, destinado "à contribuição aos noivos, de mudança para a Europa, o que torna inviável o transporte de peças". Regina planejou uma refinada vendeta: "Fiz de conta que não entendi, comprei uma obra de arte, mandei entregar com um cartão e não fui ao casamento".

O interesse pelo comportamento adequado, em especial diante dos novos tempos e novos costumes, é universal. Nos Estados Unidos, colunistas especializadas viraram estrelas desde a metade do século passado. A coluna Dear Prudence (que está na terceira titular, Emily Yoffe), inaugurada em 1997 na revista eletrônica Slate e publicada hoje em mais de 200 jornais, reúne algumas das perguntas mais engraçadas – e instigantes – do gênero. Exemplo: um espírito aflito queria saber como dizer ao irmão que a mulher dele deveria usar sutiã para não deixar transparecer o bico dos seios (cale a boca e não se meta, respondeu a colunista). Em outro dilema de teor familiar, um pai às vésperas do nascimento do primeiro filho não se conformava com a exigência da mulher de que, além dele, a mãe dela também assistisse ao parto. "Quero que seja o momento do começo da nossa família", angustiava-se. Resposta: ceda ao desejo dela, não ponha mais pressão em quem já vai ter tanto trabalho. Até Dear Abby, a mais tradicional coluna de etiqueta dos Estados Unidos, fundada em 1956 e hoje tocada pela filha da autora original (na verdade, Pauline Phillips), publicada em 1.400 jornais do mundo, recentemente capitulou. Deixou de lado suas usuais meias palavras sobre a questão e declarou que pessoas do mesmo sexo podem, sim, se casar.

Adequação aos novos tempos é, justamente, o grosso do texto do livro que Gloria lança no fim de outubro, Alô, Chics! – Etiqueta Contemporânea, baseado na enxurrada de perguntas que recebia em um programa de rádio em São Paulo. O que fazer quando, na farmácia, se encontra um conhecido comprando uma caixa de Viagra? "Nada. Mas nada mesmo", responde Gloria. "E, quando se encontrarem de novo, aja como se não se lembrasse." Há perguntas irrespondíveis por pertencerem à esfera dos valores privados, e não da ética coletiva. Devo ou não deixar que meus filhos levem namorados e namoradas para dormir em casa? "Pelo amor de Deus, me deixem fora dessa. Vocês é que sabem quanto isso vai incomodar", diz Gloria, que não tem filhos nem bichos de estimação. Estes, aliás, um problema para quem ama os animais mas não acha graça em tomar banho de baba de cachorro em visita a seus donos. Se a situação obriga, conforme-se, aconselha ela: chegando à casa dos anfitriões, faça festa para o bichinho. Aos donos, porém, cabe impor limites (como se vê, a gentilíssima Gloria entende de bons modos, mas não de cachorros). A jornalista Ana Paula Padrão já enfrentou a questão canina num jantar na casa de amigos. "A Dulcinéia, uma buldogue inglesa mimadíssima, começou a comer o laço do meu sapatinho Prada. Se fosse qualquer outro, teria ficado quieta. Mas aquele era meu único Prada e tinha custado uma fortuna. Pedi socorro ao dono e salvei o sapato", conta.

Enquanto surgem situações novas, outras perdem o sentido, caem em desuso e desaparecem. Gloria considera em fase terminal um mandamento que parecia gravado nas tábuas da lei: a proibição de cortar com faca as folhas de alface na salada, regra de etiqueta que foi ensinada, em clima de espanto, a Bebel, a personagem de Camila Pitanga na novela Paraíso Tropical. "A regra surgiu quando as facas eram de ferro e, ao cortar folhas, deixavam-nas com aspecto feio e escuro. Isso acabou. Portanto, tenho certeza: os dias de dobrar alface em trouxinhas estão contados." Até no mundo exigente da etiqueta existem boas notícias.


ETIQUETA
24 de outubro de 2007

Trechos de Alô, Chics! – Etiqueta Contemporânea, de Gloria Kalil

IX. TESTE SUA CIVILIDADE

TAXA DE CIVILIDADE

ALÔ, CHICS! A gente paga INSS, CPMF, taxa de lixo e não sei mais o quê. Pois eu acho que em vez de pagar tudo isso bastava pagar o TC – Taxa de Civilidade. Garanto que tanto o governo como nós mesmos sairíamos beneficiados. Para calcular a TC, chequem a lista abaixo para conhecer doze coisas que isentam do pagamento, e mostram quanto vocês estão contribuindo para o bem-estar público:

1. Levar cachorros para passear sem esquecer os apetrechos necessários para fazer desaparecer os vestígios fisiológicos que os lulus deixam nas calçadas. Essa dica é especialmente útil para moradores de bairros que se transformaram em "cocozódromos" a céu aberto... Ô nojo!

2. Saber ouvir uma história até o final sem interromper para contar a sua que é muito melhor.

3. Não confundir casamentos com bailes e vestir-se diferentemente nas duas ocasiões.

4. Falar baixo – até mesmo quando estiver fazendo valer seus direitos.

5. Respeitar filas – sejam elas quais forem.

6. Conter os impulsos assassinos quando estiver dirigindo e, principalmente, evitar insultos pesados para não pagar o mico de encontrar com o insultado no jantarzinho que seu novo patrão convidou.

7. Avisar um amigo que ele esqueceu de fechar o zíper da calça, que ele está com um verdinho engastalhado nos dentes, que ele se sentou em cima de um chiclete, que o cabelo dele está esquisito. É falta de caridade cristã não fazê-lo.

8. Respeitar faixa de pedestres.

9. Esperar que as pessoas saiam do elevador antes de ir entrando...

10. Para homens: ajudar as mulheres a carregar uma mala ou um pacote nitidamente pesados. Elas só não vão gostar se forem tontas.

11. Para mulheres: fazer um cafezinho para um namorado ou colega de escritório. Esta gracinha não faz de vocês pessoas subalternas. É só uma gentileza.

12. Para celebridades: não reajam com prepotência às situações difíceis. Nada de "você sabe com quem está falando". Dizer por favor e obrigado todas as vezes que a situação pedir.

Se vocês disseram sim a pelo menos 11 dos 12 itens acima, parabéns. A comunidade civilizada agradece. E vocês sabem:

NINGUEM É CHIC SE NÃO FOR CIVILIZADO!


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