Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 08, 2007

Antonio Sepulveda, Juízes desajuizados


Prosseguimos nosso mergulho nesse poço sem fundo da desmoralização total dos poderes da república ao presenciarmos juízes da corte suprema do país a se comportarem como moleques. Os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa desentenderam-se durante uma sessão sobre a constitucionalidade dos benefícios concedidos a servidores do Estado de Minas com cargos de confiança — só mesmo no Brasil uma questão desse porte ínfimo cabe numa carta magna. Na desavença, só faltou o “quem for mais homem cospe aqui”. Pois é, além de jamais condenarem os inconfundíveis malfeitores que lhes cabe julgar, nossos doutos magistrados resolveram bater boca em público e, como se estivessem num pé-sujo, discutem sobre quem teria condições de dar “lição de moral” no outro.

“Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Nós temos que acabar com isso”, disse Barbosa.

“Eu não vou responder a Vossa Excelência. Vossa Excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui”, contestou Gilmar.

“Eu não quero dar lição de moral”, revidou Barbosa.

“Vossa Excelência não tem condições”, replicou Gilmar.

“E Vossa Excelência tem?” questionou, por fim, Joaquim Barbosa.

Ao fim da sessão, Marco Aurélio Mello — aquele mesmo que soltou Salvatore Cacciola em defesa de seu direito de fugir — propôs que a rixa fosse resolvida na rua num duelo medieval, talvez para resguardar a imponência da Casa.

Ora, sendo assim, tecnicamente, se acompanharmos o formato incontestável da lógica pura, podemos raciocinar e dar asas à imaginação. As premissas são simples: segundo os ministros do STF, os colegas precisam de lições de moral; quem ainda não assimilou preceitos morais é, teoricamente, um desmoralizado; arranca-rabo à vista da nação é um ato compreensível apenas se os contendores forem moleques ou tiverem alma de moleque. Por conseguinte, diante do que testemunhamos e à luz de tais premissas, podemos inferir, com alguma segurança, que esses juízes são moleques desmoralizados. É assustador, pois são eles os guarda-costas da jurisprudência, os guardiões de nossa cidadania.

Este mal assola a estrutura do Poder Judiciário que, absolutamente, não faz qualquer sentido e, decididamente, não cumpre sua obrigação. A juíza Regiane dos Santos, da Vara de Execuções Criminais, para citar um exemplo, agiu contra as indicações de dois laudos médicos e mandou soltar Ademir Oliveira do Rosário, que confessou o assassinato recente de dois irmãos na Serra da Cantareira. Mais oito garotos procuraram a polícia e reconheceram o acusado como agressor. Pelo menos dois deles sofreram abusos sexuais. Com isso, sobe para 21 o número de vítimas do maníaco. Em novembro de 2005, um laudo médico afirmava que o criminoso tinha transtorno de personalidade e deveria ser transferido para um hospital psiquiátrico em regime fechado. Em agosto do ano passado, Ademir foi incluído no programa de desinternação progressiva do estado (o nome do tal programa já não soa bem). Em junho de 2006, outro laudo reforçou que o assassino deveria ficar internado em regime fechado. Regiane não deu bola. A juíza entende, apesar de tudo, que Ademir deve andar livre por aí. Os crimes aconteceram depois que o detento começou a sair da cadeia para passar o fim de semana com a família. Regíane, acima do bem e do mal, não quis comentar a decisão. Qual terá sido o critério usado? Mistério.

Tudo isso é ainda mais triste, se nos dermos conta de que o Poder Executivo é outra mixórdia liderada por um aparvalhado incapaz que mal consegue desenhar o alfabeto; e o putrefato Legislativo, que já ultrapassou todos os limites da decência, é alvo de escárnio dos cidadãos pensantes. E aqui vai mais um fato melancólico: ao eleger o Presidente e o Parlamento, a população, implicitamente, lhes dá carta branca para definir quem é e quem não é merecedor da dignidade dos encargos da magistratura. Isso mesmo. Se continuarmos a eleger moleques, o que poderemos esperar além de molecagens? Pobre Brasil.

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