Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 14, 2007

Transtorno bipolar pode aparecer na infância

Um tormento que começa cedo

A medicina constata que um em cada três casos
de transtorno bipolar se manifesta ainda na infância


Paula Neiva

Carol Carquejeiro
O designer Luiz Lopes: bipolaridade relatada no livro Uma Viagem entre o Céu e o Inferno, escrito em parceria com a terapeuta Mara Ziravello


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Quadro: Depressão e transtorno bipolar
Da internet
Associação Brasileira de Transtorno Bipolar

Quando criança, o técnico em computação Guilherme Martins era dono de um temperamento intempestivo. Por qualquer motivo, atracava-se com colegas de escola. Além disso, o excesso de autoconfiança o fazia acreditar que tinha poderes especiais – entre os quais, o de acender uma lâmpada com a força do pensamento. Aos 32 anos, Guilherme faz parte do contingente de vítimas de distúrbio bipolar cujos primeiros sintomas, como os descritos acima, surgiram na infância. Recentemente, um estudo da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que um em cada três adultos com o transtorno se encaixa nesse grupo. A constatação de que o problema pode manifestar-se muito cedo significa aumentar as chances de conter o agravamento dos sintomas e evitar as perdas cognitivas que ocorrem quando ele não é tratado. "É uma mudança e tanto de paradigma. Até a década passada, os especialistas que defendiam que a doença podia aparecer em crianças eram vistos com reservas", diz o psiquiatra Beny Lafer, coordenador do Programa de Transtorno Bipolar da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar. Vinte anos atrás, publicavam-se cerca de dez estudos científicos por ano relacionados à bipolaridade infantil – menos de um décimo do que se publica hoje.

Conhecido até o início da década de 90 pelo nome de psicose maníaco-depressiva, o transtorno bipolar nem sempre é fácil de ser identificado. Até receber o diagnóstico correto, um paciente pode ser levado a consultar-se com três médicos diferentes, num calvário que demora anos – fora os meses necessários para chegar ao medicamento certo e às doses adequadas, depois de constatado o distúrbio. Reconhecer o transtorno bipolar na infância é ainda mais complexo. Na maioria dos adultos, as manifestações clínicas são clássicas – o humor oscila de um extremo ao outro, da alegria incontrolável e raciocínio veloz à depressão e apatia. No caso das crianças, não é comum ocorrer essa gangorra emocional. A doença se apresenta por meio de uma conjunção de sintomas menos específicos, como impulsividade, irritabilidade, dispersão, agitação e acessos de raiva. "Lembro de ter tido, aos 12 anos, um ímpeto de agressividade que me fez cortar todas as flores de um arranjo, sem nenhuma razão", diz o designer Luiz Lopes. No livro Uma Viagem entre o Céu e o Inferno (editora Planeta), escrito em parceria com sua terapeuta, Mara Ziravello, ele relata o inferno emocional que enfrentou desde cedo.

Karine Basilio

"A partir dos 8 anos, hoje sei, comecei a exibir sinais do transtorno bipolar. Era uma criança agitada, às vezes eufórica, e freqüentemente ficava entediado com as aulas do colégio. Costumava ter crises de irritação e agressividade e brigava por qualquer motivo. Na adolescência, julgava ter poderes especiais. Acreditava que podia mover objetos e apagar lâmpadas com a força do meu pensamento."
Guilherme Martins,
32 anos, técnico em computação


Por causa dos sintomas pouco específicos, é recorrente que a criança bipolar seja diagnosticada com outros males, como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e a depressão. "Para fazer o diagnóstico diferencial, é preciso ficar atento a sinais de humor cíclico e analisar o histórico familiar", afirma o psiquiatra Flávio Kapczinski, diretor do programa de transtorno bipolar do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (veja o quadro). Quase metade das pessoas que sofrem de transtorno bipolar tem outros casos na família. Na Conferência Internacional sobre Distúrbio Bipolar, realizada no mês passado em Pittsburgh, nos Estados Unidos, uma das novidades foi a relação entre o TDAH e o transtorno bipolar. De acordo com uma corrente psiquiátrica, o déficit de atenção, em certos contextos, funciona como um marcador do distúrbio. Ou seja, é um fator de risco que, por si só, pode evoluir para o aparecimento da bipolaridade.

A constatação de que crianças manifestam o transtorno é positiva, já que antecipa o tratamento, mas tem uma contrapartida: um grande número de diagnósticos apressados. "Temos notado que muitos médicos sem experiência clínica com bipolaridade acabam por prescrever remédios pesados a seus pacientes, sem examinar mais a fundo o quadro", diz o sociólogo Ronald Kessler, especialista em saúde pública da Universidade Harvard. O transtorno bipolar em crianças já virou tema de best-seller. No livro O Brilho de Sua Luz, a autora americana Danielle Steel narra a história dolorosa de seu filho, Nick. Doente desde a infância, ele suicidou-se. Um final, infelizmente, previsível além da conta. O índice de suicídios entre vítimas não tratadas do transtorno é trinta vezes maior que o da população em geral.




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