A Ordem da Fênix mostra que a série Harry
Potter está de novo implorando por uma
transformação. A barreira, claro, são os fãs
Isabela Boscov
Fotos Divulgação |
Fiennes como Voldemort: com poderes, mas ainda sem nariz |
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Uma coisa não se pode negar a respeito do time que cuida de fazer rodar a gigantesca engrenagem que é a série Harry Potter: a despeito de ela não guardar mais nenhuma surpresa, apesar das limitações de seu elenco jovem, contra todas as imposições do enredo estabelecido nos livros da autora J. K. Rowling e, principalmente, não obstante o fato de que o dia dessas pessoas já está ganho (a mais baixa bilheteria individual da franquia foi de 790 milhões de dólares), esse time não desiste de, a cada novo filme, tentar oferecer algo diferente a seu público e avançar no teor dramático da história – nem que seja um pequeno passo. Em Harry Potter e a Ordem da Fênix (Harry Potter and the Order of the Phoenix, Inglaterra/ Estados Unidos, 2007), o quinto título da marca, que tem estréia mundial nesta quarta-feira 11, o ataque se dá por dois flancos. O primeiro é o da crescente agitação do protagonista, pressionado não apenas pelo fortalecimento de seu arquiinimigo Lorde Voldemort (Ralph Fiennes, que recuperou muitos de seus poderes, mas ainda não o nariz), como também por seus próprios hormônios. Não há varinha de condão que dê jeito na adolescência, e Harry oscila aqui entre aqueles estados de ânimo típicos da fase – da paixonite por Cho Chang (Katie Leung), com quem ele finalmente troca um beijo, às explosões de raiva e tristeza da variante ninguém-me-entende.
O outro flanco em que o diretor David Yates se desdobra é o do visual, que, desde a grande virada operada pelo diretor Alfonso Cuarón no terceiro filme, vem se tornando progressivamente mais sombrio e cheio de presságios. O ministro da magia, que conduz uma campanha contra Harry, é visto por toda parte em telas imensas, à semelhança do Grande Irmão de 1984. A escola de Hogwarts, antes um refúgio, abriga cada vez mais penumbra e estranheza. E até a vila do interior na qual Harry passa o verão com seus detestados tios e primo se tornou ameaçadora. Na cena que abre o filme, enquanto ele enfrenta o perigo bem bretão de um grupo de valentões, uma tempestade se forma, trazendo em seu interior um outro terror, este mágico – os Dementores, espectros que sugam a alma de suas vítimas. É um começo cheio de atmosfera. Mas A Ordem da Fênix não tarda a revelar que, em que pesem os esforços de sua equipe criativa, o crescimento da série enfrenta barreiras muito claras.
O beijo com Cho: entre o mal e os hormônios |
A mais desafiadora delas é que Harry Potter já há tempo entrou no território do culto, e seu público cativo tolera uma dose não mais do que moderada de transgressão. Em nenhum momento, também, se achou solução mais eficiente para os novos papéis que surgem a cada capítulo do que preenchê-los com nomes tirados do quem-é-quem das artes dramáticas britânicas. Imelda Staunton e Helena Bonham Carter são os acréscimos da vez, juntando-se aos veneráveis Michael Gambon, Maggie Smith, Gary Oldman, Emma Thompson, David Thewlis etc. E, como eles, estão ali acima de tudo para desviar a atenção das deficiências dos atores mais jovens. Recrutar crianças na esperança de que elas mantenham sua promessa de carisma e talento ao se tornarem adolescentes foi sempre tomado como um risco necessário à franquia. Mas, à exceção de Daniel Radcliffe, que há pouco encerrou uma bem-sucedida temporada de Equus no teatro londrino (muito comentada, também, por ele ficar nu no palco) e que vem melhorando à custa de esforço visível, nenhuma das promessas se cumpriu. De onde se volta à questão inicial, a da liberdade muito restrita de que a série usufrui. Fosse sua matéria-prima menos sacrossanta para os fãs, ela poderia sofrer as transformações mais profundas pelas quais está implorando e crescer para além de todas essas barreiras. Essa é a possibilidade com que o início de A Ordem da Fênix acena. Harry, porém, pertence a um clube. E este, ao que parece, é quem dita que tamanho ele deve ter.
"QUANTO MAIS DIFÍCIL, MELHOR"
Radcliffe: com raiva em A Ordem da Fênix e sem roupa em Equus |
COM A ORDEM DA FÊNIX, A SÉRIE FICOU MAIS PESSIMISTA DO QUE NUNCA. VOCÊ ACHA QUE O PÚBLICO DE HARRY POTTER ESTÁ ACOMPANHANDO ESSA MUDANÇA? As reações que colhemos até agora têm sido muito positivas. Os fãs de Harry, na verdade, também estão crescendo e mudando – como o personagem.
NESSE FILME HARRY ESTÁ SEMPRE ANGUSTIADO OU COM MUITA, MUITA RAIVA. VOCÊ, NO ENTANTO, NÃO PARECE UM RAPAZ PARTICULARMENTE RAIVOSO. Quanto mais difícil o trabalho, mais interessante ele fica. E, como todo mundo, tenho um lado irascível ou sombrio. A novidade, para mim, foi investir de forma tão sistemática nesse aspecto. Mas encontrei um método: ouvir música pesada antes de fazer minhas cenas. Ouvi muito Radiohead durante a filmagem.
VOCÊ É FÃ DE RADIOHEAD? Fã de carteirinha. No ano passado, fui a um show bárbaro deles em Londres.
COMO É O ASSÉDIO QUANDO VOCÊ VAI A LUGARES LOTADOS ASSIM? A vantagem de ir a um show é que as pessoas estão tão concentradas na banda que não prestam muita atenção em quem está do lado delas. Mas, claro, o assédio rola mesmo, e, no que toca aos paparazzi, piora quanto mais velho eu fico. Porém, não creio que ele tenha um tom negativo. As pessoas gostam do personagem e têm curiosidade pelo ator que o interpreta. É só isso.
QUE TAL FOI FICAR NU NO PALCO EM EQUUS? Ficar cara a cara com uma platéia de 1 000 pessoas é em si tão apavorante que, quando chega a hora de tirar a roupa, não sobrou mais muito medo. Além do quê, a essa altura você já está dentro do personagem e nem liga mais para isso.
O QUE A TEMPORADA NO TEATRO ACRESCENTOU À SUA INTERPRETAÇÃO DE HARRY POTTER? Quando Equus estreou, eu já havia filmado A Ordem da Fênix, no qual exercitei emoções com as quais nunca tinha trabalhado tão a fundo antes – como a raiva. Depois de passar quatro meses convivendo todas as noites com um personagem tão atormentado quanto o de Equus, vou chegar ao sexto filme de Harry Potter mais preparado e ansioso ainda para continuar essa jornada sombria dele.
VOCÊ ESTÁ COM 17 ANOS. QUAL É O SEU PLANO: INTERROMPER A CARREIRA PARA IR PARA A FACULDADE OU CONTINUAR ATUANDO? Uma faculdade definitivamente não está nos meus planos agora. Equus me ajudou a superar aquela imagem de "o menino que faz Harry Potter" – não que eu não goste dessa imagem, entenda – e, bem, espero que me traga oportunidades de outros trabalhos diferentes. Quando comecei a série, tinha 11 anos, e tudo parecia uma brincadeira. Mas, desde o terceiro filme, descobri que, sem dúvida, o que eu quero na vida é ser ator.