A Galeria dos Espelhos, que sempre se destacou
entre as maravilhas do Palácio de Versalhes, cintila
ainda mais depois de passar por uma restauração
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Entrar no Palácio de Versalhes, monumento praticamente intocado desde que lá viveram três reis da França em fausto e esplendor, é sentir o peso da história. Poucos lugares no mundo transmitem sensação similar – o Vaticano é um deles, a Cidade Proibida dos imperadores chineses é outro. À medida que circula pelos salões, que percorre os aposentos do rei e da rainha, o visitante se vê rodeado, premido, enredado pelo poder e pela glória que emanam da grandeza da construção e dos requintes decorativos. Aí, ele chega à Galeria dos Espelhos e perde o fôlego. Esse era exatamente o efeito desejado pelos homens que conceberam o salão de 73 metros de extensão por 10,5 de largura onde se enfileiram arcos perfeitos encimados por 1.000 metros quadrados de pinturas – o maior conjunto do gênero na França. Ponto alto do monumento arquitetônico à grandeza da monarquia que é Versalhes, a galeria acaba de ser reaberta em sua totalidade, ainda mais deslumbrante depois de três anos de restauração. "Pelo menos 60% desses espelhos foram colocados na época de Luís XIV. Este é um lugar mágico, testemunho de uma era", resumiu, na festa da reabertura, Vincent Guerre, encarregado de cuidar da restauração dos 357 espelhos que recobrem as dezessete arcadas (21 em cada uma) que ocupam a parede interna da galeria, os quais têm como contraponto, do outro lado, dezessete portas também em arcos que se abrem para os magníficos jardins do palácio. Guerre contou que apenas 48 espelhos tiveram de ser substituídos, todos eles por equivalentes da mesma época, de forma a manter a homogeneidade e a aparência ligeiramente fosca.
A Galeria dos Espelhos foi construída entre 1678 e 1684, ocupando o que era até então um terraço aberto interligando os vastíssimos aposentos do rei e da rainha. A idéia era multiplicar o efeito de ilusão e fantasia, reproduzindo a imagem de quem por ela passava e, ao mesmo tempo, trazendo os jardins externos para dentro do ambiente – quantos decoradores não perseguem até hoje o mesmo objetivo? Dois anos antes de a galeria ficar pronta, mudou-se para o palácio, acompanhado de uma multidão de membros da corte, serviçais e funcionários públicos, Luís XIV, o rei que mandou construir Versalhes para fugir das picuinhas, das doenças e dos maus odores de Paris. Era um palácio moderno, diferente da maioria dos castelos reais ainda remanescentes da Idade Média, sem fosso, sem torre, sem muralha, enfim, sem ares de fortaleza – como perceberam, à custa do próprio pescoço, seus últimos moradores, o rei Luís XVI e sua rainha, Maria Antonieta, quando a turba invasora os expulsou de lá para a prisão e da prisão para a guilhotina. A rápida remoção de todos os objetos, móveis e obras de arte de Versalhes para museus e casas de leilão preservou o palácio da fúria popular contra tudo que evocasse a monarquia.
Luís XIV atravessava todas as manhãs o esplendor barroco da Galeria dos Espelhos, a caminho da capela, momento em que a corte lhe prestava reverência. De um lado ficava o Salão da Paz; de outro, o da Guerra. Além da profusão de espelhos, um raro luxo na época (o ofício exclusivo de artesãos venezianos foi alvo da espionagem industrial francesa e tão perfeitamente imitado que as importações acabaram proibidas em 1672), a galeria exibe paredes de mármore, lustres de cristal e, no teto, trinta pinturas de Charles Le Brun exaltando a ascensão ao trono e as conquistas militares do rei Luís XIV. As cenas foram pintadas em telas posteriormente fixadas no teto curvo. O trabalho de restauração consistiu em refixar tudo, remover todos os vestígios de restaurações anteriores, pintar de novo o que o tempo havia apagado e aplicar uma camada protetora, dando às pinturas cores muito mais nítidas. A recuperação da Galeria dos Espelhos, que nunca chegou a ser totalmente fechada (a cada etapa, uma parte era interditada, enquanto outra continuava aberta ao público), custou 12 milhões de euros, bancados por uma construtora. A obra continua: o projeto Grand Versailles planeja investir 350 milhões de euros para restaurar o palácio inteiro (700 aposentos, 2.153 janelas, 352 chaminés) até 2020. Visitar Versalhes é um programa obrigatório de quem vai pela primeira vez à França e pode ser estressante diante do eterno mar de turistas, que certamente aumentará, agora que acabou a restauração na sua principal atração. Mas, se Paris vale uma missa, a Galeria dos Espelhos vale os ônibus, as multidões, os celulares fotografando tudo e nada. Vale um "Oh!", de espanto e reconhecimento: esse Luís XIV, o Rei Sol, sabia mesmo morar bem.