Augusto Nunes
Recife Jarbas Vasconcelos tinha 12 anos quando ouviu do pai a frase que jamais esqueceria: "Nunca volte para casa com marcas de briga nem dizendo que achou dinheiro na rua", disse o rude e reto funcionário público. O menino nascido e criado na Zona da Mata entendeu o recado, mas assimilou a lição pela metade. Agora com 65 anos, o senador Jarbas Vasconcelos foi sempre um homem irretocavelmente honesto. Mas bom de briga também.
Na década de 70, integrante do combativo "grupo autêntico" do velho MDB, o jovem deputado brigava pela restauração da democracia no Brasil. As lembranças da guerra distendem o rosto sempre sóbrio, quase sisudo do senador pernambucano.
- Em muitas cidades, as janelas eram fechadas quando a comitiva aparecia - recorda. - Já discursei num comício sem ninguém na platéia. Ninguém.
Hoje incorporado ao diminuto bloco dos decentes, Jarbas briga pela restauração da moralidade no Senado. Ao ouvir os primeiros mugidos do rebanho suspeitíssimo, entendeu que Renan Calheiros deveria deixar a presidência. A teimosia de Renan transformou o pedido em exigência.
- Quem está sangrando não é o presidente do Senado, mas a instituição, que fede como um corpo em decomposição - repetiu na casa no Recife onde se refugia nos fins de semana, cercado de relíquias da arte popular sertaneja.
Como as coisas não são diferentes na Câmara dos Deputados, Jarbas suspeita de que pode estar no começo o pior quatriênio da história do Congresso.
- Vergonha não sinto, porque luto contra isso abertamente - ressalva. - O que sinto é um profundo desconforto, por ser senador e por pertencer ao PMDB. Sou um dissidente, como o senador Pedro Simon. O partido que ajudei a fundar não existe mais.
Promete seguir brigando no Senado com a mesma determinação dos tempos da ditadura.
- A renúncia de Joaquim Roriz não deixa de ser uma vitória, e Renan não vai resistir muito tempo no cargo - tenta animar-se.
Mas desistiu do PMDB. Acha que o partido não tem jeito. Perdeu de vez a compostura.
Por que continua por lá?
- Porque um político sem partido é um homem sem direção, e ainda não sei para onde ir - lamenta. - Nunca tive formação petista. Nem tenho formação tucana.
Se só lhe restassem esses dois caminhos, provavelmente optaria pelo que leva ao PSDB.
Ali tem muitos amigos, começando pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
- Acho que ele fez um bom governo, principalmente nos primeiros quatro anos - diz. - Não deveria ter permanecido.
Para Jarbas, o segundo mandato é sempre mais difícil.
- Sei disso por ter vivido a experiência - afirma. - O governante está mais desgastado, o entusiasmo diminui. A reeleição foi uma má idéia.
O tom de voz se torna mais agreste quando se refere ao PT.
- O partido sempre se apresentou como um templo da moralidade - registra. - Os petistas tinham soluções para tudo até chegarem ao governo. No poder, têm superado todos os limites da corrupção e da inépcia.
Convidado para figurar como vice-presidente na chapa vitoriosa em outubro passado, Jarbas acha que agiu com sensatez ao recusar a parceria. Incomoda-o particularmente o estilo de Lula.
- Ele nunca tem nada a ver com nenhum problema, só é responsável por êxitos eventuais - espanta-se o senador. - Nos momentos de crise, Lula fala como se fosse o líder da oposição ou um brasileiro comum.
Companheiro de calvário dos flagelados das salas de embarque, Jarbas se declara cada vez mais perplexo com as declarações do presidente sobre o apagão aéreo que já completou nove meses.
- Lula age como um passageiro qualquer - constata. - Critica a inexistência de uma política para o setor, cobra providências urgentes dos ministros, exige respeito das empresas aéreas. Mas é ele o responsável pelo apagão.
Jarbas atribui a programas como o Bolsa-Família o bom desempenho de Lula nas pesquisas.
- O assistencialismo rende votos - admite Jarbas. - Mas piora o Brasil e os brasileiros.