PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
13/7/2007 |
Ou bem o Brasil é o mais competente produtor de commodities agrícolas do mundo, ou então o Brasil é um país cujo setor agrícola é tão fragilizado que vive em clima de crise e sempre precisa ser resgatado com abundantes recursos públicos. O ministro da Agricultura responde às críticas ao novo financiamento dizendo que há "preconceito" contra o setor. Há quem responda de forma mais técnica. O ministro Reinhold Stephanes me disse que existe "preconceito" contra a atividade agrícola. Sem explicar que preconceito. No dia do anúncio do novo refinanciamento, comentou que "as pessoas não podem ter uma visão estritamente urbana; temos que entender o homem do campo". O Brasil tem vários campos. Há pequenas propriedades rurais, em que os donos vivem; há regiões que enfrentaram secas. Há propriedades médias, com dificuldade de operar os novos instrumentos de seguro pelo mercado financeiro. Mas há também grandes empresas, cuja produção está na área rural, mas seus donos e executivos não podem ser definidos como "homens do campo". São urbanos, empresários. Os juros para o setor rural já são subsidiados. Mas, a cada vencimento, aparecem as pressões por refinanciamento. E elas vêm sempre dos dublês de produtores e parlamentares. Desta vez, é um pacote de R$7 bilhões com a chance de se alongar por até sete anos dívidas que vencem em 2007. Em algumas modalidades, caso o devedor pague 30% do que vence este ano, terá um abatimento de 15% no principal. O ministro explica que isso é devolução do que o governo cobrou a mais: - Como a TJLP caiu de lá para cá, o governo cobrou a mais do produtor e está devolvendo agora, nesta redução da dívida, R$270 milhões - diz Stephanes. O consultor André Pessoa, da Agroconsult, fez recentemente um levantamento exaustivo da dívida rural. Descobriu que está dividida em quatro blocos: - As dívidas herdadas da crise de 1995 e que foram securitizadas; as dívidas de custeio de 2004/2005 e 2005/2006, quando os produtores tiveram dificuldades pela seca ou pelo problema cambial; as contraídas junto aos fornecedores e as de financiamento como, por exemplo, o Moderfrota. Ao todo, a dívida vincenda até 2011 é de R$60 bilhões. A atividade agrícola tem riscos maiores que outras atividades, porque existe o fenômeno climático com suas imprevisibilidades. Mas, no Brasil, qualquer que seja a conjuntura, o setor vive sempre o clima de eterna emergência, apesar de já existirem mecanismos de mercado de proteção contra riscos cambiais, por exemplo. O economista Alexandre Mendonça de Barros pondera que nem todo produtor está preparado para a contratação de proteção de risco no mercado: - Rodo muito por aí e vejo gente séria que está realmente encalacrada. Há várias safras, tudo se repete: os gastos são feitos num valor do câmbio, e a venda é em vários valores diferentes. Este ano, isso diminuiu, pois os preços de vários produtos estão se recuperando e a rentabilidade, aumentando; mas o produtor financiou sua safra com um câmbio a R$2,20 e está colhendo com ele a R$1,80. Há também o custo enorme da infra-estrutura de quem produz no Centro-Oeste. As vantagens comparativas do Brasil são imensas, diz Alexandre, mas, para ele, o risco que o produtor toma é grande demais: - Nos EUA, o preço está garantido pelo governo, o seguro agrícola é oferecido pelo setor privado, mas com um baita subsídio - pondera. O ministro também compara com os outros países: - Tenho no Ministério uns cem doutores em agricultura por universidades de diversos países, e o que eles dizem é que não há país no mundo que cobre juros reais dos seus produtores agrícolas, nem que ponha na mesa das pessoas comida tão barata. São conhecidos os subsídios americanos e europeus à sua produção agrícola, mas, no Brasil, não se contabiliza o volume de recursos doados aos produtores rurais através de juros subsidiados e das eternas renegociações e alguns perdões de dívida. Não há transparência sobre quanto é o subsídio do Brasil aos seus produtores através das renegociações que sempre ocorrem das dívidas eternas. - Posso te dar, sim, esses números; é tranqüilo, todo mundo sabe aqui quanto se dá para a agricultura - disse o ministro, prometendo retornar com o número. Mas a profusão de números e dívidas roladas, e de mecanismos com subsídio embutido, equalização de taxas de juros é grande demais. André Pessoa está convencido de que está havendo um avanço na forma de negociação da dívida que tira o incentivo ao não pagamento. - Antes, quem pagava se sentia um trouxa, mas hoje estão sendo desenvolvidas fórmulas de refinanciamento que induzem ao pagamento - comenta André. Alexandre admite que essas contas parecem confusas mesmo. - Há uma caixa-preta em relação às dívidas do setor rural que precisa ser aberta. Não podemos continuar só neste apaga-fogo, e nesta cultura da dívida renegociada - diz ele. Alguns anos foram de calamidade, mas também houve aqueles de gordos lucros. Os mecanismos de financiamento e renegociação de dívidas deveriam ter mais transparência. O contribuinte deve saber quanto paga. O assunto deveria ser técnico e não um jogo de pressão política da bancada ruralista. |
Entrevista:O Estado inteligente
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