PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
18/7/2007 |
A carnavalesca Rosa Magalhães acertou em tudo; da magnífica tradução de Brasil para a abertura do Pan à explicação curta e direta sobre a razão da vaia ao presidente: "Democracia é isso." Já a Presidência e os áulicos estão inventando teses para explicar o que Lula ouviu no Maracanã. A tese conspiratória esquece um detalhe: se a oposição fosse capaz de mobilizar o Maracanã, não seria oposição, seria governo. O presidente Lula teve no Rio votações consagradoras. Na última eleição, 66% dos votos de várias classes sociais. Portanto a tese econômico-social é outro equívoco. A única boa explicação é a mais simples: é a democracia; são coisas da vida dos políticos e das pessoas públicas. Na democracia, as pessoas se manifestam livremente e escolhem seus sentimentos, mesmo que seja intensa a propaganda oficial. Uma pessoa pública tem que estar preparada para receber aplausos com humildade e vaias com serenidade. A opinião pública serpenteia, é volátil, o apoio de hoje vira cobrança amanhã. Foi um aviso a um governo que se aplaude tanto. Lula elogia-se com uma freqüência enervante. O maior, o melhor da história, nunca antes, o único em 500 anos; convicções absolutas nascidas mais do que o governo desconhece sobre a história, do que sobre fatos e números. O que vem dando certo na economia do país tem três motivos: passos certos de governos anteriores, bom momento internacional e decisões acertadas do governo atual. Mas nada do que fala em público permite supor que o presidente Lula faça qualquer relativização do que está dando certo: o que é bom se deve a ele; o que dá errado, atribui a outros. Lula terceiriza as culpas e atribui a seu governo todas as vitórias coletivas. Faz isso com tanta insistência que cansa o interlocutor e pode provocar o efeito contrário. É ocioso tentar encontrar os motivos das vaias. As claques preparadas têm um objetivo; as que nascem espontâneas têm motivos variados. Uma pesquisa feita a posteriori trará um resultado falso pois terá dado ao entrevistado tempo para pensar sobre o que foi um ato de impulso. Mas as vaias mostram que a economia não é tudo. A classe média está comprando carro com ágio e fazendo filas nas concessionárias, portanto deveria estar satisfeita se o fato econômico fosse atribuível a uma pessoa específica. O divórcio entre o fato econômico e seu entendimento pelo consumidor permite fatos como o de o usuário entupido de celular ter engrossado o coro das críticas à privatização feitas na época da campanha. Por outro lado, o conforto econômico dado pela inflação baixa permitiu a reeleição de Fernando Henrique e de Lula. FH pôde superar o peso das crises de 98; Lula conseguiu superar o peso do escândalo do mensalão, que envolvia pessoas diretamente ligadas a ele. Várias autoridades foram vaiadas antes de Lula; várias o serão depois. Por isso o presidente deveria ver com mais serenidade o que aconteceu. Ele já admitiu ter ficado surpreso - natural - e garantiu não ficar magoado com o Rio - ótimo. O presidente deveria agora, passado o impacto, evitar cometer alguns erros: alimentar a mágoa; ouvir seus áulicos culpando a direita, a elite, os conservadores, a mídia; não voltar ao Pan; aceitar que sua máquina de propaganda prepare claques de desagravo; aumentar os gastos com publicidade. Toda vez em que perdeu uma eleição, Lula reagiu muito mal: nunca reconheceu as derrotas, nem desejou sorte ao vitorioso; sempre se afastou ressentido. Essa é a atitude a evitar agora. Até porque o presidente Lula é um político muito bem-sucedido, muito popular. Sem ter tido qualquer experiência antes em administração, 52 milhões de eleitores deram a ele o primeiro mandato; apesar dos escândalos de corrupção e dos erros administrativos, 58 milhões o levaram ao segundo mandato. Essa sua segunda chance está no começo, mas seu governo tem persistido em alguns erros. Deveria aproveitar o momento, refletir sobre o que anda errado e corrigir a rota. Em vez de pensar em preparar o terreno para voltar algum dia à Presidência, deveria agarrar a chance de fazer mudanças que prepararão o terreno para a solução de grandes problemas. Só assim construirá aplausos permanentes. Deveria aproveitar o bom momento da economia internacional - que não vai durar para sempre, mas tem sido espantosamente resistente - e dar os passos seguintes. Não com improvisos, mas com estratégia e foco. Não com discursos de auto-elogios, como se vivesse uma eterna campanha eleitoral, mas planejando o futuro. Lula deveria ouvir o Maracanã. Não como uma ofensa, mas como um aviso amigo de que alguma coisa está errada no cenário de sonhos que seus assessores sustentam ser a realidade brasileira. Mas sinceramente o assunto está sendo superdimensionado. O melhor da festa foi a festa. A voz vibrante de Elza Soares sacudindo os corações no Hino Nacional; a alegria de Daniela Mercury na Aquarela do Brasil; a natureza encantadora do país invadindo o gramado; o mar azul se esparramando e depois se abrindo para revelar as areias de Copacabana. Tudo tão lindo e elegante; tudo revelava capacidade de organização, treino metódico e, a nossa melhor marca: a surpreendente criatividade. |
Entrevista:O Estado inteligente
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