Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 19, 2007

Míriam Leitão - A meio mastro



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
19/7/2007

O Brasil vive emoções opostas: uma chuva de medalhas e uma vasta tragédia. O sentimento dividido se refletia na bandeira que subia pelos brasileiros no pódio, mas encolhia-se a meio mastro. A vibração nos ginásios do Rio era entrecortada pelas conversas trágicas. O hino, cantado com tristeza e orgulho. Não é fatalidade o que, no fundo, temíamos que se repetisse; é tragédia anunciada.

O gabinete de crise criado ontem pelo governo foi o movimento certo com dez meses de atraso. O país vive uma crise gravíssima e só a visão completa da sua dimensão e uma ação integrada permitirão seu enfrentamento.

Duas quedas em dez meses não são eventos isolados. Aumentou o risco de voar no Brasil. Há estrangulamento em vários pontos do sistema. O maior risco, porém, vem da maneira descuidada com que o governo lidou até agora com o apagão, desde o começo. A crise foi subestimada, respostas foram improvisadas e erros se repetiram.

O governo oscilou nas ações e explicações. Os culpados já foram os pilotos americanos, os controladores de vôo, a prosperidade. Ora os controladores eram sindicalistas com reivindicações da categoria, ora amotinados entregues à Justiça Militar. Incapaz de trocar o ministro da Defesa, o governo desidratou o cargo. A Anac é uma agência fraca com cargos ocupados por indicação política. A Infraero tem uma estranha ordem de prioridades: primeiro o conforto, depois a segurança; primeiro liberar a pista, depois concluí-la.

O professor de logística Paulo Fernando Fleury tinha um vôo de São Paulo para o Rio na noite de terça-feira. Não conseguiu chegar a Congonhas pela interrupção do trânsito. Com todos os vôos suspensos, procurou hotel inutilmente por duas horas e meia. Não havia lugar. Dormiu na casa de um amigo. Ontem de manhã voltou a Congonhas e soube que todos os vôos estavam destinados a quem já tinha check in do dia anterior. Passou o dia no aeroporto. No final da tarde, aguardava a confirmação de que seu vôo estava sendo transferido para Guarulhos. É um especialista em logística que não consegue chegar em casa. Conversava com ele por telefone, quando, ao fundo, ouvia-se a informação: "A Infraero informa: todos os vôos estão atrasados. Repetimos: todos os vôos atrasados."

- Hoje tinha que ir para Belo Horizonte e nem sei a hora que chegarei ao Rio. O que aconteceu é uma tragédia anunciada. Há vários problemas já diagnosticados no sistema aéreo brasileiro, e nada foi feito. Uma das poucas coisas feitas foi a reforma da pista de Congonhas e, em dois dias, houve dois acidentes; um deles virando a maior tragédia aérea do país. A principal razão da crise é a incompetência do governo para gerenciar o setor aéreo - afirma o professor Fleury.

É inevitável voar neste país continental. Quem decide ir por rodovias pode encontrar a morte mais rapidamente. Em 2005, houve 200 mil acidentes nas estradas brasileiras com 34 mil mortos; o equivalente a 182 acidentes como o de terça-feira. O país se sente encurralado. Nas estradas, o governo não consegue fazer PPPs, nem concessões à iniciativa privada. O DNIT está abarrotado de dinheiro (R$11 bilhões para investir este ano), mas é loteado aos políticos. E o Brasil não confia nas indicações políticas para cargos como esse. Por boas e fundadas razões.

Há vários riscos econômicos neste colapso. O acidente ocorreu no momento em que todos os olhos estão sobre nós, todo país do continente tem delegações aqui. O tema foi ontem objeto de dez minutos de agressivos comentários na CNN sobre a incapacidade de o governo brasileiro lidar com o problema.

O presidente da Abiquim, Carlos Mariani, enquanto tomava as providências burocráticas para o translado dos restos mortais do seu amigo e vice-presidente da Associação, Guilherme Duque Estrada, comentou que está vendo se repetir o mesmo erro:

- O que irrita é a forma pequena de olhar um grande problema. Procura-se a razão de cada evento - se é o pneu, por exemplo -, mas é a soma de todos os problemas que criou a crise atual. A dimensão da crise é de tal forma ampla que hoje afeta diretamente o ambiente econômico do país e afugenta potenciais investidores.

As investigações dificilmente serão conclusivas, garante quem está acompanhando a apuração dos fatos de perto. Portanto, nos próximos dias, vai se gastar tempo em negativas de culpa, em pequenos indícios, sem, de novo, o estabelecimento de uma estratégia de superação da crise de segurança nos vôos brasileiros.

Do acidente da Gol, há dez meses, não está ainda concluído o processo administrativo na Anac que vai apontar as causas. O da TAM demorou dois anos. Portanto, o urgente é ter uma estratégia de enfrentamento da crise.

Ontem, entre os vários lugares-comuns ditos pelos responsáveis em cada área, o presidente da TAM disse que a necessidade das famílias é prioridade e que cada família será contatada para a indenização. É bom lembrar que, no acidente de 1996, a TAM disse a mesma coisa e fez o contrário. O caso acabou na Justiça e só agora, onze anos depois, é que está sendo encerrado.

O Brasil mal dormiu na noite de terça-feira para quarta-feira. Levantou ontem para ver um banho de medalhas nas piscinas do Maria Lenk enquanto os corpos eram retirados de um avião no meio da maior cidade do país. O país vive nas últimas horas emoções extremas e opostas.

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