O Globo |
19/7/2007 |
A decisão do presidente Lula de chamar a Polícia Federal para investigar as obras de reforma da pista do Aeroporto de Congonhas, depois da tragédia de terça-feira, é exemplar da maneira propagandística com que ele governa. Como a imagem da Polícia Federal é popularmente bem aceita, o presidente a aciona, uma sinalização fácil de ser entendida pela maioria da população, mas ineficaz em termos de gestão. Se existe um órgão federal responsável pelas obras, que é a Infraero, e o presidente tem dúvidas sobre sua atuação, a primeira decisão a ser tomada teria de ser a demissão do responsável. A investigação da Polícia Federal seria uma conseqüência natural. É evidente que não é possível atribuir apenas ao governo federal a culpa do maior desastre da história da aviação nacional, e um dos maiores do mundo. Assim como no acidente do jato Legacy com um avião da Gol, quase dez meses atrás, as investigações apontam para uma responsabilidade conjunta dos controladores de vôo e dos pilotos americanos do jato particular, também no caso do desastre de terça-feira existe a possibilidade de uma falha humana ser parte da tragédia. Mas está também claro que a nova pista de Congonhas tem problemas que diversos pilotos apontaram, especialmente quando chove, e as pressões para antecipar as obras, para não provocar uma paralisação no tráfego aéreo, são fatores que devem ter contribuído para o desastre. Mesmo que o groover - as ranhuras na pista para aumentar a aderência - não seja indispensável, ele é importante, pois está nas previsões da obra. Só não foi feito agora porque a pista tinha de ser liberada logo. Mesmo, porém, que a prudência aconselhe que se aguarde o resultado das investigações, já é possível traça um quadro geral de complacência e negligência nestes dez meses que separam as duas tragédias sem que nenhuma decisão concreta tenha sido tomada. A tolerância deste governo com o erro e os desvios de conduta é sistemática. Assim como em dez meses não há nenhuma providência visível, existe a ameaça de uma crise energética grave em perspectiva, e o governo completa seis meses sem nomear o ministro da Energia, não temos presidente da Eletrobrás e não temos presidente de Furnas, funções técnicas que entraram na ciranda de cargos políticos a serem divididos pela base aliada. Embora a tenha proferido antes da tragédia, a definição emblemática de Lula, segundo quem existem problemas no governo que é melhor não mexer e "deixar como está para ver como é que fica", mostra bem sua maneira de governar. Na maioria dos casos, esse comportamento gera protelação, decisões que não são as melhores, enrolação. O símbolo dessa atitude negligente é a permanência do Waldir Pires à frente do Ministério da Defesa. E existem outros símbolos que ficaram gravados na memória nacional: o ministro Guido Mantega dizendo que não havia caos aéreo, mas grande fluxo de aviões ocasionado por nossa "prosperidade"; a ministra do Turismo, Marta Suplicy, mandando a população "relaxar e gozar" diante da crise; ou a diretora da Anac, nos primórdios do apagão aéreo, fumando um charuto numa festa. Anac, por sinal, que também virou um cabide de indicações políticas. Sempre é bom lembrar que, depois do acidente da Gol e o conseqüente apagão aéreo, saíram as pesquisas mostrando que o Lula não tinha sido afetado, houve grande alívio entre seus assessores, e a conclusão foi de que o apagão não se refletia na popularidade do governo porque "pobre não anda de avião", quem anda de avião é a classe média, que faz muito barulho, mas tem pouco voto. O episódio dos controladores de vôo teve no seu início uma politização da crise, com entre o ministro da Defesa, Waldir Pires, defendendo a desmilitarização do controle de vôo e apoiando a posição dos sargentos controladores, recebendo-os em delegação, o que criou um constrangimento desnecessário para o comandante da Aeronáutica. O comportamento de Pires foi reforçado na ocasião pela atitude do governo, obrigado a negociar com os controladores seis meses depois da primeira crise sem que nenhuma providência tivesse sido tomada para neutralizar a capacidade deles de chantageá-lo. A possibilidade de ocorrer um apagão aéreo fora prevista em um relatório de 2003 do então ministro José Viegas, que alertou para a falta de investimentos na segurança de vôo, e a conseqüente sobrecarga no sistema de controle de tráfego aéreo. Quando o jornalista americano que viajava no Legacy que se chocou com o avião da Gol, matando 154 pessoas, escreveu no "The New York Times" que o sistema de controle de vôo na Região Amazônica era falho, nosso patriotismo provocou desmentidos de todos os lados. O fato é que descobrimos há quase dez meses, devido à operação padrão dos controladores de vôo, que o sistema é precário mesmo, opera com deficiência de homens e de tecnologia. O apagão aéreo que marcará o governo do presidente Lula, assim como o apagão de energia de 2001 marcou o de Fernando Henrique, ocorreu por falta de investimento, e permanece por causa da inoperância de um governo que só é eficiente na propaganda eleitoral e nos gestos teatrais, como o de chamar a Polícia Federal para investigar a Infraero. |
Entrevista:O Estado inteligente
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