NOVA YORK. Aqui, como no Brasil, a impunidade dos políticos coloca em xeque a credibilidade das instituições.
Mais no Brasil do que aqui, fatos como a grotesca tentativa de livrar o presidente do Senado, Renan Calheiros, de uma punição, com o apoio da máquina partidária do governo e do próprio presidente Lula, além de estimular a descrença da sociedade no princípio de que a lei deve ser igual para todos, estimula a criminalidade de maneira geral. Aqui, a comutação da pena do ex-assessor da vice-presidência Lewis Libby, condenado por perjúrio e obstrução da Justiça num caso de vazamento de informações sobre a identidade de uma espiã da CIA, provocou ampla discussão na sociedade.
Mas mesmo os que criticaram a atitude de Bush ressalvaram que o sentido da pena foi mantido, pois Libby continua sendo um condenado, terá que pagar multa de US$ 250 mil e ficará dois anos sob o regime de liberdade condicional. A comutação da pena de dois anos e meio, que Bush considerou “excessiva”, impedirá que o ex-assessor vá para a cadeia.
O espírito pode ter sido mantido, afinal Lewis Libby não foi perdoado e provavelmente nunca mais poderá exercer a advocacia ou cargos públicos. Mas, como diz um leitor nas cartas do “The New York Times”, que aqui como aí revelam o que vai na alma da sociedade, “o maior perdedor nesse caso é o conceito de que a lei é igual para todos nesse país”.
A impunidade, no entanto, não é a característica do sistema judicial americano, que recentemente viu o exemplo da herdeira Paris Hilton, que voltou para a cadeia devido ao clamor público depois de ter sido autorizada a cumprir a pena em prisão domiciliar.
Os efeitos, no Brasil, da impunidade dos crimes de colarinho branco no aumento da delinqüência dos sem-colarinho são apontados pelo site “A Voz do Cidadão” (www.avozdocidadao.
com.br) do publicitário Jorge Maranhão, que vem fazendo o acompanhamento de casos de impunidade de nossos políticos, autoridades e personalidades, que chama de “Memória da Impunidade”.
A incrível situação em que se encontra o Senado Federal, onde o presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha, está sendo processado pelo Supremo Tribunal Federal STF), e o suplente que vai assumir o cargo do senador Joaquim Roriz, que renunciou para não ser cassado, também está sendo processado, mostra bem a que ponto chegamos.
O governo Lula, refém da obsessão de formar uma maioria congressual custe o que custar, já não tem mais vergonha de apoiar a batalha perdida para a opinião pública de Renan Calheiros, nem de nomear postumamente para a direção da Caixa Econômica Federal um indicado de Joaquim Roriz.
A obsessão de manter a coalizão política heterogênea que o apóia no Congresso é tamanha que o presidente Lula quebrou uma regra de ouro da administração pública recente: a de não fazer nomeações políticas para os bancos estatais.
Desde 1995, quando foi feito um grande saneamento financeiro nesses bancos, especialmente no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, que não havia nomeações políticas como as que foram feitas agora, com PMDB, PT e PDT dividindo vice-presidências.
A maioria dos envolvidos nessa sucessão macabra é do PMDB, partido que é a base de sustentação política hoje do governo Lula, e para o qual ele faz todas as concessões políticas, desde que mantenha o controle dos seus votos, especialmente no Senado, onde a bancada de tantos senadores é muito dividida e pode a qualquer momento mudar de posição, ao sabor das idiossincrasias de Renan Calheiros.
Nunca é bom o governo esquecer que Renan, quando se sentiu traído por Collor na definição do candidato oficial ao governo de Alagoas, na eleição de 1990, rompeu com o presidente que ajudara a eleger e denunciou publicamente as atividades de seu ex-amigo Paulo Cesar Farias, iniciando um processo que culminaria com a deposição de Collor por impeachment votado pelo Senado.
Essa disposição de revelar os segredos que sabe, que já fora usada para ameaçar senadores que o acusam, deve ter ficado pairando no ambiente do Palácio do Planalto na conversa que Renan teve com o presidente Lula semana passada, após a qual a máquina partidária da base do governo voltou a trabalhar intensamente na tentativa de salvar o presidente do Senado.
A tese central do site “A Voz do Cidadão” é de que compartilhar a culpa dessa situação a que chegamos por toda a sociedade é uma atitude “perversa e perigosa”.
“Afinal, se prevalece a tese de que todos somos culpados por este contrato social entre violação legal e violência social que caracteriza a cultura de impunidade brasileira, não haverá nunca culpados”, afirma um editorial do site que acusa o Estado brasileiro “nas pessoas de suas autoridades judiciárias e políticas que não garantem minimamente a vida, a segurança e a justiça para os cidadãos apesar dos altos impostos que cobram”.
Para Jorge Maranhão, a pauta das reformas imprescindíveis “é clara e inadiável” e inclui, além da reforma integral do sistema político, a reforma do código de processo penal “com adição, às penas privativas de liberdade, de pesadas penas pecuniárias e de prestação de serviços, sobretudo para crimes difusos contra o interesse público”.
E, por fim, reforma “de nossa mentalidade cultural de achar que cultura não se muda, que estamos condenados de antemão à fatalidade histórica e ao fracasso civilizatório”.
Entrevista:O Estado inteligente
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