Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 14, 2007

Merval Pereira Fato novo?

Desde que, no auge da crise do mensalão em 2005, o presidente Lula deu aquela estranha entrevista na embaixada brasileira em Paris dizendo que “o que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente”, tentando transformar em caixa 2 o esquema de corrupção que havia sido montado dentro do seu governo para comprar o apoio parlamentar de vários partidos, ele vem se dedicando sistematicamente a passar a mão na cabeça de aliados, transferindo seu prestígio popular para proteger aloprados, sanguessugas e mensaleiros de diversos quilates.

A leniência com as transgressões dos aliados está contaminando nossa vida política, exacerbando uma situação que sempre esteve presente, mas hoje, de tão escancarada, chega às raias do cinismo. Foi o que se viu, por exemplo, na sessão de quintafeira, quando o senador Renan Calheiros, abusando de seus poderes de presidente da Mesa do Senado, decidiu adiar por uma semana a reunião de seus pares para decidir sobre a ampliação das investigações sobre ele no Conselho de Ética.

Não bastasse o cinismo do presidente do Senado, um de seus aliados, o senador Inácio Arruda, do PCdoB, resolveu atribuir à luta política as críticas da oposição ao procedimento de Calheiros, sugerindo que o que está em disputa é o cargo de presidente do Senado. E, assumindo a generalização que se tornou marca registrada da defesa governista em todas as crises, advertiu que ali no Senado não havia nenhum santo, como a sugerir que os opositores de Renan Calheiros não tinham condições morais de acusálo de receber dinheiro de um lobista de empreiteira.

Uma generalização irresponsável, e que, de toda maneira, não isenta de culpa o presidente do Senado que queria defender. Ou Inácio Arruda está considerando que quando todo mundo é culpado, ninguém é culpado? São atitudes assim que envenenam nossas relações políticas, e o responsável pela falta de constrangimento crescente entre seus aliados é ninguém menos que o presidente Lula. A atitude de Arruda é idêntica àquela de Lula alegando que o caixa 2 era utilizado “sistematicamente” nas campanhas eleitorais brasileiras.

Como no caso do mensalão, mesmo que fosse caixa 2, e mesmo que todos os partidos o utilizem, não é papel de um presidente da República aceitar publicamente esse procedimento como normal. E depois ainda dizer, em diversas oportunidades, que seus companheiros não deveriam baixar a cabeça, pois não deviam nada a ninguém, só fez reforçar a idéia de que todos são impunes, protegidos pelo manto da popularidade presidencial.

Essa posição condescendente de Lula com a corrupção faz com que o ambiente político fique deteriorado, que se percam os parâmetros éticos da atividade política.

A pesquisa do Banco Mundial divulgada recentemente, que mostra que o país decaiu nos últimos anos no combate à corrupção, é uma conseqüência desse ambiente permissivo.

O índice da pesquisa que mede o controle da corrupção, que chegou a ser de 59,1 em 2000, caiu para 47,1. Para se ter uma idéia comparativa, o índice do Chile é acima de 90, numa escala de zero a 100. A confiabilidade da polícia e dos tribunais também chegou ao patamar mais baixo desde que se faz a medição, há dez anos: 41,4.

Atualmente, o presidente Lula se dedica a não deixar que um de seus principais aliados, o presidente do Senado, Renan Calheiros, fique isolado na tentativa de se livrar da acusação de quebra do decoro parlamentar.

A maioria do governo é precaríssima dentro do Senado, se não inexistente, pois o PMDB, embora tenha uma bancada de tantos senadores e seja o principal sustentáculo da coalizão governamental, não tem a unidade necessária no plenário do Senado para garantir a maioria governamental em todas as circunstâncias.

Perder o apoio do grupo de Renan Calheiros seria perder o controle das ações no Senado, e o senador alagoano foi muito hábil ao transformar um caso pessoal em uma disputa de poder entre oposição e governo.

Mesmo que Lula saiba que não se trata disso, sabe melhor ainda que perder o seu principal apoio político no Senado é prejuízo certo.

Para manter a amplitude de sua coalizão, o presidente Lula tem se prestado a qualquer papel. Na mesma noite de quinta-feira, numa solenidade no Teatro Guararapes, em Recife, Lula viu na platéia o expresidente da Câmara Severino Cavalcanti, de triste memória.

Pois não é que o presidente incluiu Severino em seu improviso sobre as elites brasileiras, dizendo que ele havia sido vítima da “vingança” da elite brasileira, assim como ele, Lula, também já havia sentido “o ódio de classes”.

Para não ser cassado, em 2005, em plena crise do mensalão, Severino Cavalcanti renunciou à presidência da Câmara e ao mandato, depois que ficou claro que ele recebia um “mensalinho” de R$ 10 mil de um concessionário de restaurante da Câmara. Assim como hoje o senador Renan Calheiros se considera perseguido pela opressão da imprensa e tem o apoio de Lula, também Severino recebe do presidente um aval de idoneidade.

O apoio do presidente é considerado como a garantia de que Renan Calheiros não será cassado por seus pares. Uma avaliação que beira o cinismo, que leva em conta os diversos interesses em jogo, diz que, mesmo que viesse a perder no Conselho de Ética, Calheiros seria absolvido em uma votação secreta. A não ser que o famoso “fato novo” surja.

As vaias estrepitosas que Lula recebeu ontem, na abertura dos Jogos Pan-Americanos, podem ter sido “armadas”, como sugeriu o ministro dos Esportes Orlando Silva.

Mas podem ser também um sinal de que esse estado de coisas já está chegando ao limite do aceitável. Se ficar patente que as vaias ao presidente, tão fortes que o impediram de abrir oficialmente os jogos, estão relacionadas com o caso de Renan Calheiros, estará selada a sorte do presidente do Senado.

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