O inglês Shaun Ellis vive com os lobos
para estudá-los. Ele caiu de quatro e lá ficou
Marcelo Marthe
Divulgação |
Ellis, com um dos lobos que "educou": um marido tão animal que nem a mulher o suportou |
Certa vez, o inglês Shaun Ellis aplicou seus recursos atávicos a uma tarefa peculiar: socorrer lobos ameaçados pela dificuldade em procriar. Por meio de gestos e uivos ameaçadores, ele, em pessoa, acuou os animais na reserva em que viviam. Depois de quinze semanas de troca de rosnados entre o homem e as feras, a tática surtiu efeito. O instinto levou os bichos a reagir como se estivessem na mira de concorrentes – e eles, então, animaram-se a acasalar-se, como forma de reforçar o grupo. Fora sexo propriamente dito, Ellis já vivenciou de tudo em matéria de relacionamento íntimo com os lobos, de cuja linguagem e comportamento é um estudioso dos mais devotados. O método de pesquisa é um tanto heterodoxo: ele se passa por "membro" das alcatéias, com todos os perigos decorrentes de tal proximidade. Embora Ellis seja autodidata, seu trabalho é reconhecido por cientistas e tem lá sua utilidade. Além de resolver o caso de desânimo sexual do grupo citado acima, já ajudou fazendeiros poloneses a evitar ataques de lobos a seu gado (a solução: alto-falantes que emitiam uivos como os de matilhas rivais, o que fez os bichos se circunscreverem a seu território).
Casos de estudiosos que se confundem com seu objeto de estudo não são incomuns na zoologia – e outros naturalistas já levaram a pior ao adentrar esse terreno. Nos anos 90, o americano Timothy Treadwell acreditou-se a tal ponto "amigo" dos ursos do Alasca que acabou sendo devorado por eles. No ano passado, o australiano Steve Irwin, o "Caçador de Crocodilos" da TV, foi morto por uma arraia da qual se aproximou de maneira temerária. Até hoje, Ellis não sofreu mais que alguns arranhões. Mas, como se verifica num documentário com estréia prevista para o sábado 14 no canal National Geographic, com várias reprises ao longo da semana, ele também flerta com o desastre. Vivendo Entre Lobos acompanha seu esforço para ensinar três filhotes órfãos de lobos canadenses a sobreviver numa reserva natural inglesa. Por dezoito meses, Ellis dormiu, caçou e se divertiu com eles. O que incluiu lamber e ser lambido (na boca, inclusive) pelos animais. E, ainda, tomar parte em suas disputas de força. Ele minimiza as mordidas: "A saliva dos animais cura qualquer ferimento".
A estratégia de preservação de Ellis foi impor-se como o macho alfa, aquele que lidera o grupo. Isso incluiu cuidados como o de se alimentar das partes que cabem ao líder na divisão das carcaças, como o cérebro e os rins – devidamente cozidos e então recolocados na presa morta. A certa altura, porém, ele foi desbancado por outro macho. Para salvar a pele, teve de ficar numa postura de submissão (de quatro, é claro) e uivar num tom suplicante. A experiência foi demais para a mulher e os quatro filhos de Ellis, que o abandonaram. Com sua cabeleira de homem de Neandertal, ele deve ser mesmo um tipo difícil. Como diz um menino que foi conhecer o seu trabalho: "Esse Ellis é bem maluco".