Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 10, 2007

Dora Kramer - Pedagogia da crise




O Estado de S. Paulo
10/7/2007

No sentido oriental do termo, toda crise é benéfica. A nossa já permanente catarse na política não dá trégua e segue aquela escrita ao lançar luz sobre práticas cuja natureza viciada só se revela quando as consciências estão mobilizadas.

Tivemos o exemplo recente do despertar para a distorção representada pela presença dos suplentes sem-votos no Senado e temos agora um outro tema que merece lugar no rol de vícios no Legislativo: o recesso “branco”.

É comum, e agora está em vias de ocorrer de novo, desta vez como conseqüência da recusa de vários partidos de votarem a Lei de Diretrizes Orçamentárias - sem a qual não pode haver o recesso do meio do ano -, caso Renan Calheiros insista em comandar a sessão de votação do Congresso.

Funciona da seguinte maneira: não havendo condições legais para o Parlamento entrar em recesso, os parlamentares entram em férias assim mesmo, simplesmente não comparecendo ao Parlamento.

Bem comparando, seria como se um funcionário não tivesse direito a férias, achasse por bem não aparecer no trabalho durante determinado período e não recebesse por isso nenhuma punição.

Gozaria as férias “brancas”, reassumindo suas tarefas depois sob o beneplácito do empregador que, voluntária e complacentemente, abriria mão do direito legal de fazer cumprir as regras e ainda demonstraria grande apreço pela prática de jogar dinheiro fora.

Inaceitável? Pois tem sido perfeitamente aceitável que os parlamentares atrasem a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias e, mesmo assim, façam o recesso “branco”.

A distorção aí nem se prende à questão da despesa, porque recebem seus subsídios de qualquer jeito. Guarda relação antes com a permissividade, seja de quem teria delegação para mandar cortar o salário dos faltosos, seja da regra que só prevê corte em ausências de sessões deliberativas.

Não sendo convocadas votações, não há prejuízos diretos aos gazeteiros, perdendo-se o sentido da obrigatoriedade de votação da LDO, que vira, assim, uma mistificação.

Tão farsesca quanto a tentativa do presidente do Senado de capitalizar o atraso da LDO como se fosse uma iniciativa dele para não permitir o recesso e, desse modo, demonstrar seu interesse em manter viva a movimentação política em torno do Conselho de Ética e das apurações das acusações de quebra de decoro parlamentar.

Aos fatos: se não houver votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias não será por decisão do presidente do Congresso, mas por pressão dos que se recusam a vê-lo presidindo a sessão; não havendo recesso, nem por isso o Congresso funcionará; com recesso ou sem recesso, o papel do conselho agora é secundário, pois o foco da ação está na perícia da Polícia Federal sobre os documentos apresentados pelo senador. O resto é pura figuração.

Boa vizinhança

O governo resolveu esperar o fim das investigações sobre a suspeita de que o ex-ministro Silas Rondeau teria recebido propina da construtora Gautama antes de tornar oficial a decisão de reconduzi-lo à chefia da pasta de Minas e Energia.

Ainda assim, cabe a questão: se a Polícia Federal insiste na existência de provas contra o ex-ministro, se nenhuma informação em contrário apareceu desde seu afastamento, de onde surgiu a súbita convicção palaciana de que Rondeau estaria apto a voltar?

Muito provavelmente da necessidade de o governo fazer um gesto de desagravo ao PMDB, na impossibilidade de dar qualquer passo a mais na defesa do presidente do Senado.

Entre a demissão do ministro e a anunciada recondução, o único fato novo foi o desmanche político de Renan Calheiros e, por conseqüência, o enfraquecimento de seu grupo no PMDB, patrocinador da indicação de Rondeau.

Joio do trigo

O leitorado (de leitor-eleitor) inquieta-se, manifesta-se e vai querendo evoluir da condição de mero produtor de indignações à deriva para a de propositor objetivo de ações de cidadania em reação ao desmonte gradativo da reputação do sistema de representação política.

Há propostas amalucadas, violentas, antidemocráticas, mas há também propostas ponderadas, criativas, aparentemente utópicas, mas exeqüíveis.

Vejamos a sugestão de Vicente Branco: “Que tal se a sociedade, apoiada pela imprensa (ou vice-versa, tanto faz) lançasse um selo de qualidade para distinguir os políticos realmente comprometidos com o futuro do País?”

Lembrando que o selo tem sido usado para “distinguir o bom café, os CDs e DVDs não pirateados, os finos azeites e os produtos renomados pela excelência”, Vicente propõe o mesmo critério para orientar o eleitorado na distinção das excelências e já sugere alguns nomes: “Pedro Simon, Fernando Gabeira, Heloísa Helena e Jefferson Peres.”

É uma idéia que pelo menos ajuda a mover as pessoas para longe da desesperança que paralisa e pior: patrocina o derrotismo, primo-irmão do conformismo.

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