Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 18, 2007

Dora Kramer - O santo desconfia




O Estado de S. Paulo
18/7/2007

Quando a esmola é muita, todo mundo sabe o que diz o ditado: é hora de se pôr as orelhas em pé.

Agressivo na semana passada, ríspido no convívio com seus pares, o presidente do Senado, Renan Calheiros, iniciou a semana amável a distribuir ofertas de gabinetes; cordato no recuo do último bastião da estratégia das manobras; quase sensato - só não o foi totalmente por insistir em permanecer no cargo - ao reconhecer a óbvia impossibilidade de presidir decisões da Mesa relativas ao processo no qual é parte.

Essa calmaria instalou-se no espírito do senador no momento exato em que se inicia o recesso parlamentar e, com ele, o período supostamente ideal para o esfriamento dos ânimos em torno do escândalo que começou com a suspeita sobre a natureza de suas relações financeiras com um lobista, passou pela contestação da autenticidade de documentação sobre transações comerciais e deu margem a toda sorte de manifestações de abuso de poder.

Esgotadas as possibilidades de evitar a continuidade das investigações, o senador Calheiros fez o mínimo, dois meses de manobras depois: passou ao vice-presidente Tião Viana as tarefas relativas ao processo por quebra de decoro parlamentar.

A Mesa fez também o que não poderia deixar de fazer: decidiu pedir à Polícia Federal a continuidade da perícia na documentação de defesa do presidente da Casa, parada há semanas.

Mas, a despeito da formalidade das ações - todas tomadas com atraso e empurradas por pressão da opinião pública sobre os senadores -, o Senado reagiu a elas como se recebesse da Mesa e de seu presidente uma grande dádiva.

Não seria natural que ontem, depois da decisão que retomou o curso normal da investigação, os senadores abrissem qualquer tipo de conflito com o senador Calheiros. Já o tinham feito por ocasião do imperativo de marcar posição, não precisavam fazê-lo de novo.

Isso é uma coisa. Outra bem diferente é a nítida mudança de tom, traduzido no pronunciamento do líder do PSDB, Artur Virgílio, que, a título de pregação por uma “nova ética” na política, na sociedade e na imprensa, discorreu a respeito de imperfeições generalizadas de conduta.

Na retórica, negou a intenção de atribuir ausência de legitimidade aos julgadores. Mas o momento escolhido para o discurso deu margem à impressão de que o líder do PSDB estava ali cumprindo o objetivo de colaborar com a reconstrução da cordialidade interna em torno do presidente da Casa.

Reforçou a sensação o aparte de “solidariedade” feito pelo o senador Almeida Lima, o mais aguerrido defensor de Calheiros.

Em seguida, sereno como há tempos não se via, manifestou-se o presidente do Senado a registrar as defesas “enfáticas” que fizera de senadores em diversas ocasiões e a lamentar que não tenha sido defendido por eles com a mesma veemência. Ninguém o contestou.

Ato contínuo, o personagem mudou: Gim Argello, suplente de Joaquim Roriz, que depois de se esconder por duas semanas saiu da toca para tomar posse ontem, embora tivesse prazo de mais de dois meses para tal.

Alvo de processos a mancheias, acusado de ter levado uma parte daqueles R$ 2,2 milhões do cheque de Nenê Constantino para Roriz, Argello, seria contestado - estava prometido - por seus pares, mas não foi: disse que não gostaria de ser prejulgado e isso bastou.

Nada mais se falou e Calheiros retirou-se do palco deixando um esquisito vestígio de encenação no ar.

Pedagogia dupla

Se, como diz o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, a vaia no presidente Lula teve o sentido pedagógico de expor a insatisfação de um pedaço da população, vale o mesmo critério da pedagogia para a oposição.

A classe média, majoritária no cenário na cerimônia de abertura do Pan, mostrou que está sem representação política. Órfã, faz o que pode.

Às análises sobre a exegese da vaia ao presidente, as excelências oposicionistas poderiam acrescentar agora uma autocrítica ao seu “modus operandi”, por ora meramente “esperneandi”. Quando muito.

Lógica perversa

O presidente já mudou de assunto, aparentemente sublimou as vaias e, em boa hora, tocou o barco. Mas o cordão dos puxa o leitor sabe o quê continua a produzir extenso palavrório sobre o episódio Maracanã, usando, para isso, a lógica perversa da submissão da opinião aos poderes do poder.

Quando excelências da política e do esporte qualificam de “injustas” as manifestações alegando que o presidente merecia tratamento mais cordial por ter liberado verbas federais para a realização do Pan, nada mais fazem do que se utilizar do mesmo critério de partidos que vendem seus votos no Legislativo em troca de favores do Executivo.

Esquecem-se de que as verbas não pertencem a Lula. Pertencem a todos os cidadãos, cujas opiniões não obedecem à dinâmica da lei do mais forte de ocasião.

Para encerrar Por que invasão de propriedades pode e vaia não pode?


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