Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 19, 2007

Dora Kramer - O destino comparece




O Estado de S. Paulo
19/7/2007

Culpar pura e simplesmente o governo federal pelo acidente com o Airbus da TAM e atribuir responsabilidade pelas duas centenas de mortes à vexaminosa atuação do poder público nestes dez meses de crise aérea não deixa de traduzir as evidências de uma história anunciada.

Até alivia a raiva de quem assistiu à serie de infindáveis manifestações de menosprezo e produção de bravatas vãs, mas não devolve vidas nem esclarece se o sinistro foi coincidência ou conseqüência do descontrole dos sistemas aeroportuário e aeroviário do Brasil.

Não se pode culpar o presidente Luiz Inácio da Silva por tudo o que de mau acontece neste país, disseram de maneira preventiva alguns de seus admiradores assim que saíram as primeiras notícias sobre o desastre.

É verdade. Mas é verdade também que não é mais possível aceitar que o presidente da República não seja responsável por coisa alguma neste país.

Ainda mais quando as circunstâncias indicam que o ocorrido é decorrência de uma série de precariedades em relação às quais as autoridades competentes (?) não tomaram nenhuma providência de fato.

E quando se faz tudo errado, o mais provável é que em algum momento tudo acabe dando muito errado. “Um dia o destino comparece”, resume o deputado Raul Jungmann, numa frase bastante adequada à situação.

O presidente contou com a sorte e ela foi madrasta. Em momento algum desde a crise desencadeada a partir do acidente da Gol, dez meses atrás, Lula conferiu ao problema a gravidade merecida.

Manifestou-se com a habitual ausência de objetividade, cobrando providências, por vezes em tom bastante veemente, mas deixou correr solto o descontrole.

Deixou prosperar a leniência, a indiferença, a desqualificação da crise, as ironias para com ela, as explicações esdrúxulas a respeito de suas causas, a ganância das empresas aéreas, verdadeiras reguladoras da agência de regulação que tanto esforço ideológico o governo fez para enfraquecer, a sanha corporativa dos controladores de vôo, a concepção sindicaleira das “negociações”, a óbvia incompetência dos atores oficiais no desempenho de suas funções.

Teria o governo federal possibilidade de evitar o acidente da noite de terça-feira e salvado, com isso, aquelas vidas? Objetivamente não é possível dizer, nesta altura, nada além de um mero talvez.

Mas pelo menos não estaria agora na condição de suspeito número um diante do mundo inteiro se tivesse tido capacidade de comando e organização para coordenar as ações dos setores envolvidos; se tivesse exibido preocupação na escala de prioridades; percepção para enxergar que a crise estava abafada, mas não resolvida; sensibilidade para, no mínimo, se comover ante as dificuldades dos usuários de avião; e principalmente não se deixar levar pela ilusão das pesquisas que registraram impacto da crise sobre parcela mínima (8%) da população.

O governo brincou da mesma brincadeira de sempre ao simular de agilidade nos momentos agudos e se deixar tomar pela letargia escapista quando a paz parecia voltar a reinar.

Revelada da forma mais dramática possível que a paz era a dos cemitérios, as autoridades federais - e perdoem os partidários da tese da intocabilidade de Lula, o presidente da República à frente -, continuaram jogando com a mesma lógica de animação de auditórios.

O presidente convocou uma reunião “de emergência” no Palácio do Planalto e cancelou sua agenda externa dos dias seguintes. Qual a objetividade dos gestos?

Nenhuma, viu-se de imediato, para ter a confirmação logo a seguir, no pronunciamento do porta-voz da Presidência. Repetiu o teor da nota oficial divulgada pouco antes, dando conta da consternação do presidente, mas mostrou-se absolutamente incapaz de responder a qualquer pergunta mais objetiva.

Não tinha o que dizer, como de resto não teve nada a dizer o governo ao término da reunião, já de madrugada. Às 11 horas da manhã, o ministro da Justiça, Tarso Genro, comunicou, solene, que o presidente pedira abertura de inquérito à Polícia Federal para saber se a pista do Aeroporto de Congonhas havia sido, depois da reforma, inaugurada em perfeitas condições técnicas ou não.

Tal questão poderia ser respondida sem investigações pelos presidentes da Infraero e da Anac. Aliás, se estivesse interessado no assunto, Lula teria feito essa indagação quando dos primeiros alertas, logo após a reabertura da pista.

Tanto a ordem para o inquérito quanto a reunião da noite tiveram o intuito de ganhar tempo, pois o governo continuava sem saber o que fazer.

Estava consciente, porém, de que seria responsabilizado. De outro modo, não haveria razão de o presidente da República reunir ministros para discutir um acidente a respeito do qual, em condições normais, nada poderia fazer além de lamentar e se solidarizar com a dor das famílias.

Mas o Planalto tremeu. E tremeu por causa das conseqüências políticas que porventura venha a sofrer em função da própria incapacidade de perceber que governo não sobrevive à popularidade se não souber construir um sólido patrimônio de confiabilidade.


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