Dora Kramer, dora.kramer@grupoestado.com.br
Enquanto o presidente do Senado estava apenas fragilizado, prevalecia avaliação de que politicamente a situação era até interessante para o Palácio do Planalto. Agora que está em confronto com boa parte do Congresso, tornou-se um estorvo, um fator de conturbação grave.
No início, houve até quem enxergasse no infortúnio de Renan Calheiros mais um sinal da celebrada sorte do presidente da República, pois a fragilidade dele inibiria o PMDB na relação com o Executivo.
O andar, e principalmente os tropeços, da carruagem vão escrevendo, porém, outro roteiro. Bastante mais complicado para o governo, que precisa nos próximos dois meses aprovar no Congresso as renovações da CPMF e da DRU (Desvinculação de Receitas da União), sem as quais perderá um dinheiro que, só no tocante ao imposto do cheque, soma algo como R$ 150 milhões/dia.
As votações - as mais importantes da agenda legislativa do ano - já estavam difíceis antes da crise Calheiros, mas a situação era administrável: o Democratas fechou questão contra, mas não tem força; o PSDB, inventor da matéria quando no governo, não criaria dificuldades; e os governadores, apesar das ameaças, acabariam se acertando com a área econômica.
A coisa, no entanto, mudou de figura. Ninguém em sã consciência aposta de verdade que o recesso parlamentar será capaz de esfriar o clima dentro do Congresso. Pode até ser que os próximos 15 dias sejam de relativa calma com as férias e a tomada da cena pelos Jogos Pan-Americanos.
Mas isso tudo acaba e, em agosto, se Renan Calheiros continuar insistindo em fazer o papel de fantasma da ópera (bufa) que se instalou no Congresso, a oposição vai obstruir as sessões de votação e os partidos da chamada base aliada vão usar a urgência governista para elevar os preços de seus votos.
O PMDB tem a relatoria da CMPF na comissão especial nas mãos. Cobra pelo relatório a nomeação do ex-prefeito do Rio de Janeiro Luiz Paulo Conde para Furnas, e cobrará ainda as nomeações do segundo escalão paradas desde a conclusão da reforma ministerial, em março.
Serão, portanto, dois os espetáculos em cartaz: o do escândalo Calheiros e o do fisiologismo. Deste, o governo sempre dá conta com relativa facilidade, pois tem nas mãos os instrumentos para tal. Aliás, não fez as nomeações até agora justamente no intuito de guardar munição para o inverno que se avizinha.
Mas não contava com a crise e terá de administrar rigores inesperados.
No segundo semestre Renan Calheiros não só estará fora de combate como terá se transformado no elemento complicador da batalha. O Palácio do Planalto terá, assim, de se mexer, como foi obrigado a fazer na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, levando-o a desistir de presidir a sessão.
Se não convencer, daqui até o fim do recesso, o presidente formal do Senado a reconhecer a evidência de que já não preside mais nada, será um refém da balbúrdia: de um lado a chantagem e, de outro, a obstrução.
Topa-tudo
O PMDB faz jogo de cena quando alimenta a hipótese de Aécio Neves se filiar ao partido para se candidatar a presidente da República. Os pemedebistas não acreditam que o governador de Minas compre briga com o PSDB.
Agora, se comprar, estão prontos para aceitá-lo. Como se dispõem também a, dependendo das circunstâncias, apoiar José Serra ou até quem sabe um candidato de Lula.
Resumindo, o PMDB está para o que der e vier. Principalmente para quem vier e der alimento às boquinhas.
Esquizô
O PSDB tem feito questão de registrar que sua condução no caso Renan Calheiros é de caráter partidário.
Mas o conceito de unidade é flexível, pois ao mesmo tempo em que no plenário do Senado o presidente do partido, Tasso Jereissati, comanda a retirada da bancada em protesto contra as manobras para protelar o processo por quebra de decoro, o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, ex-presidente do PSDB, lidera convescote de prefeitos para desagravar Calheiros, em Brasília.
Justificativa? “O Renan não só me apoiou na campanha como é meu amigo há 30 anos.” Quer dizer, no entender do governador, que quando se conflitam os interesses, prevalecem os pessoais.
Em legenda que emprestasse respeito à própria pregação por fidelidade partidária, Teotônio no mínimo causaria espécie. No PSDB, “faz parte”.
Legado
Segunda-feira no Memorial da América Latina, em São Paulo, Franco Montoro - senador, governador de São Paulo, pioneiro ponta de lança da campanha das Diretas-Já, falecido há oito anos - será homenageado.
Figura grande, cujo papel na redemocratização política e na redefinição de parâmetros de administração pública não foi ainda devidamente reconhecido no âmbito nacional, Montoro tinha de sobra o que faz falta: lisura, rumo, firmeza, autonomia, espírito público e destemor.