Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 08, 2007

VINICIUS TORRES FREIRE Os pobres nunca estarão convosco


Greve que prejudica o povinho no INSS, no SUS ou na escola primária não causa a mesma comoção do paradão aéreo

UMA GREVE no INSS, em hospitais ou em escolas públicas primárias algum dia causará tanto tumulto e comoção como o paradão dos aeroportos?
Sim, lembrar o elitismo brasileiro é banal. Provoca o torpor do enfado, sintoma da indiferença prática diante do privilégio. Noutros casos, a observação suscita o individualismo assumido ("não é problema meu"), crescente nesta sociedade que passou à modernidade liqüidificada do privatismo selvagem sem antes ter se entendido com padrão algum de civilização ou de bem-estar social.
Muita vez, tratar de elitismo causa reações de vitimização genérica, que culpam uma entidade mitificada, vaga e distante ("governo", "políticos", "banqueiros" etc.) pelos males "do país", o que serve a esconder as diferenças concretas de posição social e poder. Ou então o ataque ao privilégio torna-se motivo para corporativismo disfarçado de crítica social, forma de privatização malandra da idéia de solidariedade, cada vez mais típica entre sindicatos e ONGs.
O criouléu desorganizado é o que menos vê sua desgraça se transformar em espetáculo, a não ser em caso de catástrofe ou violência física. A maior parte das greves prejudica os mais pobres, pois a maioria delas ocorre no governo. Mas as greves que mais assumem caráter espetacular são as que também prejudicam a elite, as que param aviões ou o trânsito, por exemplo. Desdenha-se a rotina do miserável que definha à espera de seguro social, educação, Justiça -com ou sem greve, aliás.
Em meados dos anos 90, um terço das greves ocorria no setor público, que agora fazem quase 60% do paredismo. A predominância de greves dos servidores em parte se deve à transformação e/ou à decadência do sindicalismo privado depois das reformas econômicas de FHC.
As competição mundial é braba, o emprego é escasso. As empresas também se dispersaram pelo país, procurando mão-de-obra agradecida em apenas trabalhar ou ganhar mais, de resto sem força sindical. O sindicalismo público tornou-se o reduto do esquerdismo retrógrado.
Os servidores públicos ganharam direito de greve em 1988, mas não há lei para regulá-lo. Não há fórum de resolução de conflitos, projetos de carreira, promoções, punição de relapsos e grassa o corporativismo grosso. Nem formas criativas de mobilização apareceram para, por vezes, substituir o recurso à greve que prejudica o povo mais desprotegido.
Decerto sem movimento social organizado diminui a chance de mudança. Mas qual movimento aponta para a mudança? Quantos não tendem só a sugar o Estado? Vivemos uma encrenca conservadora renovada. Reforma social torna-se assistencialismo, e direito a trabalho é letra morta. Movimento social torna-se corporativismo; todo partido é partido do status quo; o individualismo torna-se salve-se-quem-puder.
Só o nosso elitismo continua igual.


vinit@uol.com.br

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