Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 08, 2007

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN As inovações financeiras e o risco


Espera-se que Lula se interesse pela segurança jurídica do crédito para que o brasileiro possa tomar mais riscos

AS NOVAS oportunidades de comércio entre a Europa e as colônias na Ásia e Américas que resultaram da "era das descobertas" criaram uma grande demanda por transporte marítimo a partir do século 16. Os conflitos armados, a pirataria e as difíceis condições de navegação colocavam os navios e mercadorias em constante risco. Os comerciantes usavam métodos diversos para lidar com esses riscos: a formação de comboios em que todos os proprietários dividiam os lucros, empréstimos com pagamento contingente ao sucesso da expedição e a divisão da propriedade de um barco entre diversos sócios.
O problema com todos esses procedimentos é que o risco continuava na mão da comunidade de armadores. Para atrair capital de outros investidores, os governos na Espanha e na Inglaterra regulamentaram o seguro marítimo. Na justificativa da lei inglesa de 1601, lê-se que um dos objetivos da legislação era permitir que os comerciantes tomassem mais risco. A nova lei facilitou o comércio colonial, mas era longe de perfeita. Muitos seguradores vendiam um número excessivo de apólices e, no caso de perdas, iam à falência sem pagar o seguro devido.
Para atacar esse problema, em 1720, uma nova legislação inglesa garantiu a prioridade do pagamento de seguro sobre outros débitos do segurador. Assim como em 1601, o legislador escreveu que o objetivo era encorajar as "aventuras no mar".
O comércio colonial foi principalmente o resultado de avanços tecnológicos na navegação, construção de barcos e armamentos, mas não teria atingido a dimensão que alcançou no século 18 se a legislação de seguro marítimo não tivesse sido estabelecida e aperfeiçoada. O volume de viagens certamente resultou também em um maior número de naufrágios, mas os custos e benefícios dos avanços tecnológicos e da instituição do seguro marítimo devem ser medidos também pelo número de viagens bem-sucedidas.
As dificuldades por que passam muitas das companhias americanas que se especializam no crédito imobiliário para clientes mais arriscados trouxeram nova munição para os críticos das inovações financeiras. Não resta dúvida de que em alguns casos estendeu-se crédito para clientes que não tinham condições para pagar a sua dívida, mas é importante observar que somente 15% dos clientes dessas companhias estão atrasados em pelo menos 60 dias em seus pagamentos; a vasta maioria está em dia.
Até a década de 70, o mercado de hipotecas nos Estados Unidos tinha um só produto: empréstimos a taxas fixas por um período de até 30 anos.
O devedor pagava a mesma quantia a cada mês e só podia pegar um empréstimo quem tivesse uma renda adequada -em geral, quatro a cinco vezes o valor do pagamento. Para um brasileiro, vivendo em uma economia em que não existe financiamento de longo prazo, isso pode parecer o paraíso, mas muitos americanos não tinham acesso a um montante suficiente de crédito por causa de uma baixa renda corrente. A partir da década de 70, houve um grande número de inovações financeiras no mercado de hipotecas nos Estados Unidos, muitas delas com o objetivo de permitir que pessoas com baixa renda corrente, mas com uma boa perspectiva de aumento de renda no futuro, comprassem uma moradia.
Um trabalho recente do meu colega em Princeton Harvey Rosen e dois co-autores do Federal Reserve (o banco central dos EUA) em Boston analisou a experiência de milhares de consumidores e demonstrou que as inovações financeiras no mercado de hipotecas aumentaram o acesso à casa própria para os americanos, especialmente os mais jovens e os compradores de sua primeira moradia.
Uma preocupação central da gestão Palocci no Ministério da Fazenda foi propor medidas como o crédito consignado e os novos instrumentos de crédito imobiliário para incentivar o mercado de crédito no Brasil. A equipe da Fazenda entendeu que a melhoria do mercado de crédito não dependia apenas da criação de novos instrumentos, mas também do aprimoramento do ambiente legal para reduzir a insegurança jurídica dos contratos. Esse esforço já resultou em um impacto positivo, mas o mercado de crédito no Brasil ainda é muito pequeno.
Resta esperar que o governo Lula 2 se interesse por essas questões para que os brasileiros possam tomar mais riscos.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna. jose.scheinkman@gmail.com

Arquivo do blog