Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 14, 2007

VEJA Entrevista: Fabio Colletti Barbosa

O lucro é verde

Para o novo presidente da Febraban, empresas
que respeitam leis ambientais duram mais, lucram
mais e ainda pagam menos juros


Giuliano Guandalini

Fabiano Accorsi

"É possível respeitar o meio ambiente e ser lucrativo, crescer e ser socialmente responsável"

Há oito anos, o banqueiro Fabio Colletti Barbosa tomou uma decisão aparentemente contrária aos interesses dos acionistas do Banco Real, instituição que preside. Barbosa decidiu criar linhas de crédito em condições especiais para clientes com boas políticas ambientais, e recusar empréstimos a empresas que, embora tivessem capacidade de pagamento, desrespeitassem o meio ambiente ou fossem tolerantes com práticas trabalhistas inaceitáveis. A decisão, que se mostrou acertada, transformou Barbosa, que acaba de ser empossado na presidência da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em uma das maiores referências em sustentabilidade no mundo dos negócios. Não apenas pelos critérios éticos de sua orientação, mas por conciliá-los com perfeição na busca por lucros. O Real é hoje o terceiro maior banco privado do país em ativos e passou a responder por 17% dos resultados de seu atual controlador, o banco holandês ABN AMRO. Formado em administração pela Fundação Getulio Vargas, casado e com três filhos, Barbosa, 52 anos, diz que uma de suas prioridades na Febraban será desfazer a má imagem – segundo ele, injusta – que os brasileiros têm dos bancos.

Veja – Um país como o Brasil pode crescer sem afetar negativamente o meio ambiente?
Barbosa – Esse é um falso dilema. É possível respeitar o meio ambiente e ser lucrativo, crescer e ser ambiental e socialmente responsável. Mesmo na China, onde até pouco tempo atrás não havia essa preocupação, isso já começou a mudar. Os chineses criaram o seu Dia da Árvore e estão investindo em reflorestamento. O que percebemos na prática é que as empresas que gerenciam melhor o impacto ambiental são justamente as que representam o menor risco de crédito. E, por isso, pagam menos juros.

Veja – Por que isso ocorre?
Barbosa – Porque essas empresas também gerenciam melhor outros aspectos de suas atividades. Prova disso é que os fundos dedicados a investimentos sustentáveis, criados recentemente, têm registrado um retorno financeiro acima da média. Ou seja, os investidores confiam mais na gestão financeira de empresas ambientalmente sustentáveis. O professor de Harvard Michael Porter, uma referência internacional na área de negócios, analisou justamente o elo entre vantagem competitiva e responsabilidade social e ambiental. Ele afirma que não se trata de uma coisa "ou" outra. Estamos no mundo do "e" – ou seja, crescimento "e" responsabilidade. A empresa pode e deve fazer os dois, porque ela se torna melhor quando faz os dois. Por isso, trata-se de um falso dilema.

Veja – O senhor não teme que a sustentabilidade se transforme num modismo vazio ao qual empresas aderem mais por conveniência do que por convicção?
Barbosa – Por convicção ou por conveniência, o fato é que as melhores empresas e alguns países estão repensando sua maneira de fazer negócios. Por crença ou por pressão da sociedade, não importa. O assunto sustentabilidade está na pauta de todos os executivos. Sem falar que as empresas que não respeitam as leis ambientais estão sujeitas a multas milionárias, o que compromete a própria existência delas. O assunto passou a fazer parte da estratégia de negócios de qualquer companhia. Isso é bom e veio para ficar. Virou negócio. Não é à toa que aparecem a cada dia novas tecnologias, desenvolvidas a partir da própria pressão da sociedade, como os promissores carros elétricos. Obviamente há um certo exagero de algumas ONGs, mas isso é normal. Um dia chegaremos a um equilíbrio.

Veja – Mas qual é o significado exato de sustentabilidade ou de responsabilidade social? Pode-se considerar socialmente responsável uma empresa que mantém ações sociais e ambientais corretas, mas que não paga impostos e vive na informalidade?
Barbosa – Ainda há muito a ser feito no campo da responsabilidade social, mas não seria construtivo invalidar o esforço feito na direção correta só porque o movimento não está completo. É preciso reconhecer que pessoas estão sendo levadas à contravenção por um sistema tributário e trabalhista que se prova quase indutor de comportamentos. Não podemos condenar todos os que estão nesse caminho. Precisamos atacar as causas que estão levando empresas e pessoas a trabalhar nesse ambiente de contravenção. Essas pessoas não são, em sua maioria, contraventoras por natureza. Para contornar isso, precisamos não apenas de reformas como a tributária e a trabalhista, mas também de uma reforma de valores. É preciso reconhecer que existe uma certa leniência ao chamar de informalidade o que, na verdade, é ilegalidade, e como tal precisa ser tratada.

Veja – Não faz parte da responsabilidade social dos bancos informar seus clientes sobre os riscos do endividamento exagerado?
Barbosa – O endividamento, no Brasil, é algo relativamente novo. Precisamos nos adaptar. Mas já são várias as iniciativas dos bancos nesse sentido. Alguns produziram cartilhas nas quais explicam quais as formas mais baratas de financiamento diante da necessidade de cada pessoa. Gerentes também têm sido treinados para prestar esse tipo de orientação. A Febraban tem uma cartilha que orienta os consumidores a respeito dos riscos do endividamento. Como presidente da Febraban, pretendo intensificar a transparência dos bancos para com seus clientes.

Veja – Por que os bancos, de forma geral, não têm avaliação muito positiva da população?
Barbosa – Essa imagem negativa nos preocupa muito, mas ela não é exclusiva dos bancos brasileiros. Não podemos nos esquecer de que as instituições financeiras estão na posição ingrata de cobrar empréstimos em qualquer lugar do mundo. Mas há um aspecto histórico brasileiro. No passado, a inflação prejudicou demais a transparência do relacionamento do cliente com a instituição financeira. Os prazos de empréstimos eram curtíssimos, não havia confiança na moeda. Não existiam tarifas, porque os bancos ganhavam com o dinheiro parado nas contas. Isso mudou completamente. Além do mais, acho que a expectativa sobre os serviços que devem ser prestados pelos bancos precisa ser mais bem compreendida.

Veja – Os lucros dos bancos parecem exagerados, se comparados ao desempenho do resto da economia...
Barbosa – Não são apenas os bancos que vivem um momento especial, mas todo o país. A inflação está equacionada há mais de dez anos, as reservas internacionais passaram de 100 bilhões de dólares e o crescimento econômico se mantém estável. O bom desempenho do crédito e dos bancos se deve em parte a isso. O volume de financiamentos tem crescido, nos últimos anos, em uma média superior a 20% ao ano. Isso ocorreu tanto por causa do crescimento econômico como por causa de alguns ajustes institucionais que foram feitos. Em especial, o crédito consignado e novas regras no setor de financiamento imobiliário. O crescimento não ocorre naturalmente. É preciso desobstruir alguns canais. Ainda há muito a ser feito. No setor de crédito, precisamos discutir, por exemplo, a carga de impostos sobre os empréstimos.

Veja – Os juros bancários cobrados no Brasil caíram, mas ainda estão entre os maiores do mundo. Por quê?
Barbosa – Os juros cobrados pelos bancos têm caído, mas há mais pessoas tomando dinheiro emprestado. A base de credores cresceu e estamos trabalhando com uma clientela nova. Não conhecemos o histórico bancário desses novos clientes, que, por esse motivo, tendem a pagar taxas mais elevadas. Foi bom que isso tivesse acontecido, porque mais pessoas e empresas tiveram acesso ao crédito.

Veja – Há quem diga que não existe competição entre os bancos no Brasil.
Barbosa – Não vejo nenhuma evidência de que não exista concorrência no sistema financeiro. A disputa entre bancos e outras instituições financeiras é fortíssima, particularmente nas áreas do crédito consignado e no financiamento de automóveis, em que as taxas de juro são bastante baixas.

Veja – Que papel deve exercer o sistema bancário em uma economia como a brasileira?
Barbosa – Os bancos, quando executam bem o seu papel, aprimoram a alocação de recursos e impulsionam a economia. É importante que o sistema financeiro esteja azeitado para cumprir bem as tarefas que lhe cabem. São três essas tarefas: rentabilizar a poupança que lhe foi confiada; financiar o consumo e o investimento; e efetuar pagamentos. Ao cumprirem bem essas três funções, os bancos ajudam a economia como um todo. Um exemplo do papel do setor financeiro para o progresso econômico é o fato de, hoje, o mercado de capitais, por meio da emissão de títulos e ações, prover mais recursos do que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No ano passado foram 52 bilhões de reais liberados pelo BNDES contra 125 bilhões de reais captados no mercado privado. Além disso, a quantidade de pessoas que possuem conta bancária vem crescendo rapidamente. O número de contas, que era de 64 milhões em 2000, chegou a 95 milhões em 2005. Os bancos têm ampliado o acesso a contas e a empréstimos. Muitas pessoas que viviam fora do sistema financeiro hoje podem consumir a crédito, investir em novos negócios.

Veja – Esse bom momento do mercado de capitais tem sido, em parte, reflexo de uma fase de crescimento mundial recorde. Até quando isso vai durar?
Barbosa – O grande motor desses anos de crescimento tem sido a China, e ainda não entendemos a fundo qual o seu impacto na economia mundial nem por quanto tempo isso se manterá. Ousaria dizer que o que está acontecendo com a China hoje se compara à ascensão americana a partir do século XIX e início do século XX. A queda na cotação do dólar se deve em parte à alta no preço das commodities exportadas pelo Brasil, puxada pelo consumo chinês.

Veja – Na balança, o impacto da ascensão da China sobre a economia brasileira é positivo ou negativo?
Barbosa – O forte crescimento do comércio mundial, que tanto ajudou o Brasil nos últimos anos, tem sido suportado em grande escala pelo avanço chinês. O Brasil tem uma economia complementar à chinesa e se beneficia dessa relação. A China precisa de matérias-primas e alimentos que são produzidos pelo Brasil. Dito isso, alguns setores enfrentam muita dificuldade para competir com os chineses. Mas a China é uma realidade que veio para ficar.

Veja – Qual é o impacto da valorização do real na economia? É possível contê-la?
Barbosa – A valorização do real é uma resultante de um cenário positivo que deve perdurar por algum tempo. Conforme o país se torna mais estável e com maior expectativa de crescimento, ele passa a atrair mais investimentos, o que também colabora para a apreciação do real. Em economia nunca é possível que todos os setores estejam contentes ao mesmo tempo com uma determinada taxa de câmbio. Não vi, até o momento, nenhuma proposta coerente para reverter os efeitos negativos do câmbio. Se o dólar voltasse a 4 reais, certamente traria benefícios para alguns, mas seria negativo para muitos outros. A valorização tem um aspecto positivo, que é estimular a busca pela produtividade. O importante é que o consumidor seja o principal beneficiado, com produtos melhores e mais baratos.

Veja – O que o senhor espera do segundo mandato do governo Lula?
Barbosa – O governo foi muito firme na manutenção de alguns princípios que asseguram um horizonte positivo ao crescimento econômico. Os dois pilares fundamentais foram o combate à inflação e o equilíbrio das contas públicas. O cenário internacional permanece favorável. Diante da falta de recursos públicos, o país deveria aproveitar o bom momento para fazer reformas e acelerar o crescimento. Para isso seria fundamental atrair investimentos do setor privado. O nível atual dos investimentos é insuficiente para aumentar o patamar do crescimento econômico.

Veja – O que o senhor pretende fazer, como presidente da Febraban, para eliminar essas barreiras?
Barbosa – Em primeiro lugar, uma aproximação cada vez maior com os outros setores da economia – indústria, agricultura, construção civil, comércio exterior. Existe uma interdependência muito grande entre os setores. No fundo, nossos interesses são convergentes, todos queremos mais crescimento. Precisamos desobstruir outros canais para que os juros possam cair e o crescimento, aumentar. Não existe conflito, mas sim convergência de interesses entre bancos e empresas. Não dá para ter empresas fortes sem uma economia saudável, nem é possível ter uma economia saudável se as empresas não forem fortes – e isso inclui os bancos. Não há como os bancos lucrarem sem que as empresas estejam bem. O momento é oportuno para promover essa convergência.

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