Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 06, 2007

Todo mundo quer ajudar a refrescar o planeta


Virou moda falar em aquecimento global.
É preciso não esquecer que os recursos
naturais da Terra também estão em perigo


Okky de Souza

Nicole Bengiveno/The New York Times
DE VOLTA AO PASSADO
Beavan e Michelle, com a filha: um ano sem luz elétrica, papel higiênico e elevador num apartamento na Quinta Avenida, em Nova York


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O alerta dos cientistas sobre o aquecimento global e suas conseqüências, que há poucos anos mobilizava apenas órgãos técnicos de governos e ambientalistas, hoje se tornou um tema onipresente. O combate ao aumento do efeito estufa está na retórica dos políticos e nos planos de negócios dos empresários. Virou ferramenta de marketing na publicidade e de autopromoção entre celebridades. Em todo o mundo, a possibilidade de ocorrerem catástrofes cada vez mais devastadoras por causa da elevação da temperatura no planeta é tema obrigatório nas rodas de conversa. Essa superexposição do aquecimento global oferece um benefício e um risco. O benefício é conscientizar as nações de que a escalada do efeito estufa é uma ameaça real que precisa ser combatida. Embora não se saiba até que ponto a atividade humana é responsável por ela, já que houve muitos outros aquecimentos globais antes mesmo que o homem inventasse a roda, o fato é que uma Terra alguns graus mais quente será palco de cataclismos. O risco embutido na "moda" do aquecimento global é desviar a atenção de outra ameaça ambiental igualmente grave e cujas conseqüências se farão sentir mais cedo: o esgotamento dos recursos naturais do planeta.

A maioria dos recursos naturais dos quais o homem depende para viver ou para manter seu bem-estar pode desaparecer em relativamente pouco tempo. Em alguns locais, sua falta já começa a fazer vítimas. O consumo de água no mundo cresceu seis vezes nos últimos 100 anos. O resultado é que um terço da população mundial vive em regiões onde a água é escassa, porcentagem que deve dobrar até 2025. A pesca excessiva e predatória nos mares impede a reprodução das espécies e já reduziu em 90% a população dos grandes peixes oceânicos, como o bacalhau e o mero. Estima-se que as reservas de petróleo sob o solo terrestre se esgotem em cinqüenta anos – até hoje, não se descobriu outra fonte de energia economicamente viável para substituí-lo em larga escala. A experiência brasileira prova que o álcool e o diesel feitos com matérias-primas vegetais podem ser usados como combustível no lugar do petróleo. Mas, caso a frota mundial de veículos rodasse somente com álcool ou biodiesel, não haveria terras disponíveis para atender toda a demanda. A exploração dos recursos naturais permitiu ao ser humano atingir no século XX níveis de conforto inéditos em sua história. Mas os especialistas em políticas ambientais advertem que é urgente coibir o desperdício, principalmente diante do rápido desenvolvimento da China e da Índia. Se essas duas nações, que abrigam um terço da população do globo, alcançarem patamares de consumo iguais aos de uma região rica como a Califórnia, os recursos naturais do planeta entrarão em colapso (veja o quadro).

Se o esgotamento dos recursos naturais da Terra pode ser medido em estatísticas e cifras exatas, o mesmo não acontece com as conseqüências do aquecimento global. Não há unanimidade entre os cientistas sobre elas. Isso porque o clima da Terra é uma conjunção de tantos fatores, combinados de forma tão complexa, que a ciência ainda não conseguiu desvendá-lo por completo. É possível que boa parte do cenário cinzento possa ser revertida também pela ação humana. A favor dessa teoria existe o fato de que várias catástrofes mundiais previstas em estudos no passado foram evitadas pelos avanços da ciência e da tecnologia. Em 1798, o economista inglês Thomas Malthus afirmou que as guerras pela disputa de comida dizimariam populações inteiras. A fome seria provocada por um descompasso entre o crescimento vertiginoso da população e a produção de alimentos. Em 1962, a bióloga Rachel Carson anunciou que o uso intensivo de pesticidas provocaria um desastre ecológico. A explicação era que o DDT e outras substâncias, que permanecem no ambiente por muitos anos e se acumulam nos tecidos gordurosos, têm efeitos nocivos em animais e seres humanos. Essas e outras pragas apocalípticas foram vencidas. Disse a VEJA o climatologista Richard Lindzen, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts: "O homem sempre foi capaz de se adaptar ao ambiente. Ele inventou as casas, o guarda-chuva, a calefação e a substituição de colheitas. Desta vez, com o aquecimento global, não será diferente".

Hoje é cada vez maior o número de pessoas dispostas a empreender ações individuais de combate ao aquecimento global. Popularizou-se a prática da "neutralização" de carbono. Quem participa de ações poluentes, como andar de carro ou viajar de avião, paga a empresas especializadas para que plantem árvores em quantidade suficiente para compensar a emissão de CO2 resultante de suas ações. Uma viagem de São Paulo a Nova York, por exemplo, deve ser compensada com o plantio de 1.000 árvores. Entre as atitudes individuais em favor do ambiente, a mais radical de que se tem notícia é a do casal formado pelo escritor Colin Beavan e pela jornalista Michelle Conlin, de Nova York. Desde o início do ano, o casal eliminou de seu cotidiano tudo o que polui ou é produzido de forma poluente. Isso inclui não usar eletricidade, produzida com a queima de carvão, que produz CO2. Portanto, nada de luz elétrica (à exceção de uma lâmpada fluorescente), televisão, geladeira, máquina de lavar ou elevador – embora o casal more no 6º andar de um prédio na Quinta Avenida. Tudo o que é feito de papel (produzido com a derrubada de árvores) está banido das compras. Sim, papel higiênico inclusive. Nenhum alimento que o casal e sua filha de 2 anos comem pode ter sido transportado por trem ou avião. Em lugar de pasta de dentes, bicarbonato de sódio. A experiência da família vai durar um ano. O sacrifício é exemplar, mas, infelizmente, de pouca utilidade. Ações individuais em favor da preservação ambiental têm impacto praticamente nulo nos problemas que pretendem combater, sobretudo no caso do aumento do efeito estufa. Em geral, sua principal utilidade é tranqüilizar a consciência de quem as pratica. De qualquer maneira, a disseminação do engajamento verde serve para pressionar os governos a tomar as medidas realmente eficazes para salvar a Terra.


Fotos Pedro Rubens

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