Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 12, 2007

A privatização continua

A

Artigo - Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo
12/4/2007

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua envolvido na grande privatização da máquina governamental. Loteado o primeiro escalão, o chefe de governo deve agora arbitrar a distribuição de cargos importantes da administração tanto direta quanto indireta.
Os grupos aliados ainda se engalfinham na disputa de postos cobiçados pelo alcance de suas atribuições e pelo tamanho dos orçamentos comandados. Diretorias de estatais e de instituições financeiras vinculadas ao governo fazem parte do butim destinado à grande partilha. Vice-presidências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal estão na lista dos despojos. PT e PMDB são candidatos aos melhores pedaços da presa conquistada na eleição presidencial.
As CPIs dos Correios e do Mensalão mostraram algumas das conseqüências mais feias do loteamento político de postos administrativos. Não resultaram em grandes punições, mas pelo menos cumpriram o papel de mostrar novamente aos brasileiros - a quem quisesse ver - as bandalheiras facilitadas pela apropriação partidária da máquina pública. O perigo revelado nem era novidade. Mas o quadro exposto pelas investigações surpreendeu pela extensão e pela ramificação dos abusos. A mistura do aparelhamento partidário e do apadrinhamento político produziu um padrão particularmente perverso de privatização da máquina pública.
Na forma convencional, a privatização consiste na transferência de bens do Estado a compradores particulares. Com freqüência, no Brasil, há um barulhão a respeito do preço pago pelo comprador, em geral apontado como insuficiente pelos adversários da mudança. Mas o comprador, pagando ou não um preço razoável, pelo menos assume a responsabilidade pelo futuro do negócio. Quando é competente e sério, trata de fortalecer a empresa, de torná-la competitiva e de gerar lucros para os acionistas. Quando não consegue, suporta as conseqüências. Assim tem sido, de modo geral, no Brasil e na maior parte do mundo.
A privatização político-partidária é muito diferente. Quem assume o poder político, no Brasil, ganha o controle não só dos postos políticos mais altos, mas também de um enorme aparelho administrativo. Ao contrário do comprador de uma empresa, não obtém uma propriedade e não põe em jogo os seus bens.
Mas tem o privilégio, sem desembolsar um centavo, de usar o patrimônio público para fins particulares. Interesses político-eleitorais são interesses privados, embora esse detalhe seja raramente lembrado.
Cargos tipicamente profissionais são distribuídos como se fossem despojos de uma conquista.
Podem ser atribuídos ou não a pessoas qualificadas e dispostas a trabalhar tecnicamente. O compromisso com a função burocrática não é parte do jogo. O ocupante do posto pode trabalhar em benefício de interesses partidários ou de grupos dedicados à pilhagem.
As duas linhas de ação às vezes se misturam. As CPIs dos Correios e do Mensalão mostraram casos desse tipo. Em qualquer caso, com ou sem corrupção explícita, ocorre a privatização pelo uso e não pela compra.
Pessoas ferozmente contrárias à privatização de papel passado, com escritura assinada e pagamento depositado no banco podem apoiar com entusiasmo, e até reivindicar, o usufruto particular da máquina pública e do patrimônio estatal.
De vez em quando, até aliados se escandalizam e tentam conter os excessos. Isso ocorreu no começo da semana, quando a CUT e a Força Sindical decidiram impedir o uso de recursos do FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, no refinanciamento dos compromissos de fazendeiros com credores privados. A medida, apadrinhada pelo governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, beneficiaria principalmente agricultores daquele Estado. Técnicos do Ministério do Trabalho também se opuseram à iniciativa e o presidente da República recuou.
Que ele seja grato ao governador mato-grossense é compreensível. Blairo Maggi foi um das poucas figuras de expressão do agronegócio comprometidas com a reeleição. A gratidão é um belo sentimento, mas a relação entre um candidato e seus cabos eleitorais é um vínculo particular. Quando assina um ato oficial, o governante não deve deixar-se influenciar por seus compromissos pessoais. Nesse momento, a pessoa pública tem de prevalecer sobre o indivíduo natural e privado.
No conflito entre o privado e o público, no Brasil, o vitorioso tem sido quase invariavelmente o primeiro. Isso se comprova, mais do que nunca, na ocupação da máquina de governo.

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