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Desta vez não se levantaram acusações de que o Judiciário está extrapolando de suas funções e legislando no lugar do Congresso, quando 7 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal votaram a favor da aplicação da mesma regra do setor privado ao direito de greve do funcionalismo público.
Pudera. Deve ser por vergonha, inibição diante da inação de quase duas décadas, desde o fim da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, que aprovou o direito de greve para o servidor, mas deixou aos Congressos seguintes a tarefa da regulamentação.
De lá para cá, já houve três presidentes da República e cinco renovações de Legislativos sem que nenhum deles desse conta da questão. O poderoso lobby do funcionalismo, o corporativismo, a falta de ativismo governamental para enfrentar os problemas como devem ser enfrentados - coragem de arbitrar e capacidade de administrar divergências - contam a história dessa omissão.
A responsabilidade maior é do Legislativo, encarregado constitucional de balizar as paralisações, hoje presididas, como pontua o ministro Gilmar Mendes, por um completo vale-tudo.
Os servidores param, em casos de serviços essenciais a população se prejudica e, diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, não há ônus para os grevistas.
Não são demitidos, pois têm estabilidade no emprego, o desconto dos dias parados depende de o governo da ocasião ser mais ou menos camarada e, se forem malsucedidos nas negociações, o saldo são uns dias de férias. Remuneradas, no mais das vezes.
Não se trata de dizer que funcionários públicos não têm direito a ver atendidas suas reivindicações nem que não necessitam de algum instrumento para equilibrar a correlação de forças frente ao empregador, no caso o Estado.
A questão é o vácuo na regra. A ministra Carmem Lúcia resumiu à perfeição: “Se há abuso de poder de legislar, esse é um caso de abuso de poder de não legislar.”
Se, de um lado, os deveres do Estado para com os servidores estão sobejamente garantidos e, no caso da estabilidade, até com diferenciação desequilibrada em relação aos trabalhadores da iniciativa privada, de outro seus deveres não têm norma.
Na Educação isso está posto de maneira cruel: nas universidades e nas escolas do ensino básico, as greves submetem o estudante e suas famílias a uma rotina de perdas (de aulas, de férias, de organização familiar) sem direito de defesa.
Quando as greves são na Previdência, o drama dos dependentes dos serviços e dos benefícios causa comiseração, mas nada muito além disso.
A decisão do STF - ainda a ser completada depois do pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa - pelo menos dá algum balizamento, impõe as restrições já existentes para o setor privado.
Mas é uma situação de vazio jurídico, de discrepância entre direitos e deveres, à qual não poderão continuar virando as costas o Poder Legislativo e também o Executivo, já que nada se move no Parlamento se não sair do Palácio do Planalto a ordem unida.
Alegoria
Como está tudo muito bem no Congresso, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, resolveu implicar com o chapéu de vaqueiro que Edigar Mão Branca usa no plenário.
Na terça-feira pediu para o deputado tirar o chapéu.O deputado não tirou, Chinaglia se irritou, levou o assunto para a reunião da Mesa e resolveu tomar uma providência, mandando preparar ato normativo para regulamentar a vestimenta dos parlamentares, a fim de adequar os adereços de suas excelências à liturgia do cargo. De resto agredida diariamente por outros tipos de comportamento.
Se a falta de compostura dos parlamentares - onde já houve deputado de cabelo verde e deputada que mudava todo dia a cor da cabeleira - se resumisse ao que lhes vai às vestes, o Congresso não seria a instituição mal vista que é.
Passado presente
O presidente Lula em geral justifica suas alianças políticas de agora argumentando que não é de seu feitio ficar preso a fatos de outrora.
No jantar de quarta-feira com o PMDB, no entanto, invocou o passado e ignorou momentos mais recentes para defender dois aliados do presente.
“Quem, em São Paulo, não votou em (Orestes) Quércia para o Senado em 1974? Quem não votou em Jader Barbalho, no Pará, para deputado em 1978?”
Muita gente votou, é verdade. Mas o passado de resistência democrática passou, o PMDB mudou para pior e o eleitor registrou a perda.
Boquinha fechada
O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) solicita retificação quanto à presença dos 20 senadores no PMDB no “convescote da boquinha” de quarta-feira.
“Eu, por exemplo, não fui. Por duas razões simples: o encontro era uma confraternização da coalizão à qual fui contra e tinha como objetivo a partilha de cargos - que até pode não ter ocorrido, mas era o que mais se falava nos bastidores do jantar.”