Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 15, 2007

O presidente-camaleão

14/4

Todo político bem-sucedido, nos quatro cantos do mundo, tem algo de Zelig, o célebre personagem-título do filme de Woody Allen, dotado da capacidade inata de se transformar de corpo e espírito naqueles de que se acercava, o que lhe permitia adaptar-se perfeitamente a qualquer situação. Pode-se dizer que essa aptidão, em escala comedida, decerto, é um requisito darwiniano para a sobrevivência e o triunfo sobre os adversários na implacável competição pelo poder. Mas talvez nunca antes neste país se tenha visto um presidente da República se assemelhar tanto a um Zelig como Luiz Inácio Lula da Silva. E, certamente, nunca antes se viu um presidente gabar-se com tamanha espontaneidade dos seus recursos para adaptar-se. Foi o que Lula fez, no ambiente perfeito para tal - o jantar de confraternização, quarta-feira, com 180 membros da elite da corporação política que é a sócia maior da coalizão lulista de governo, o PMDB.

Cobrindo-se de glórias por ter alcançado o "ápice de um ser humano", como considera, significativamente, o seu cargo - "não tem nada além disso", exultou -, Lula fez uma apologia digna de figurar com destaque na sua biografia do mais desbragado pragmatismo. "São as circunstâncias históricas", filosofou, "que permitem (permitem, e não, obrigam) que, em determinados momentos, a gente seja mais progressista, mais conservador, que a gente seja amarelo ou seja verde." E emendou: "Quem faz política não pode ser que nem a parede de uma hidrelétrica, 'imexível', como diria o Magri" (numa alusão ao antigo ministro do Trabalho Antonio Rogério Magri). Não pode ser, de fato. Mas não devia ser "que nem" um camaleão. Lula se desfez em palavras compassivas com figuras que fizeram história no MDB da oposição à ditadura e no PMDB, dessa vez pela notória oposição à ética na política.

Ele anistiou o ex-governador paraense Jader Barbalho, que em 2002 renunciou à cadeira no Senado para escapar à cassação por quebra de decoro parlamentar diante das evidências gritantes de seu envolvimento em grossas maracutaias - em outras circunstâncias históricas, Lula costumava usar essa palavra - na Sudam. Concedeu indulgência plena também ao paulista Orestes Quércia, que na campanha presidencial de 1994 disse que Lula nunca tinha dirigido nem sequer um carrinho de pipoca, para ouvir dele que também nunca roubara pipoca. Pudera. Depois de receber em palácio e se deixar fotografar sorridente ao lado do hoje senador Fernando Collor - que em 1989 pagou a uma ex-namorada de Lula para contar que ele quis que ela abortasse, quando soube que estava grávida -, o presidente confraternizou no Planalto com o senador Antonio Carlos Magalhães, que há muito menos tempo, no ano passado, o chamou da tribuna de "ladrão".

A própria celebração com os peemedebistas casa-se com o discurso de Lula. Afinal, eles o convidaram para demonstrar uma unidade de fato sem precedentes desde que o partido se tornou uma confederação de caciquias, onde convivem, diria Lula, amarelos, verdes e quaisquer outros matizes entre esses. A união deu-lhes a força para abocanhar 5 Ministérios e lhes dá o fôlego para passar a mão nas jóias da coroa federal, muitas delas trancadas nos cofres petistas: cargos na alta direção do Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás, Eletrobrás, Furnas, Correios… Não é à toa que o governador peemedebista do Paraná, Roberto Requião, comentou que os correligionários iriam aproveitar a festiva noitada com o presidente para promover o "bingão do segundo escalão". Claro que os anfitriões não perderam a compostura a esse ponto, naquela ocasião. A rigor, nem precisariam.

Afinal, sabem eles que mudaram a seu favor as circunstâncias históricas desde o início do primeiro mandato - sai de cena o aparelhamento em benefício dos companheiros, entra o arrendamento do Estado entre os 10 outros parceiros da coalizão -, a cada um, evidentemente, segundo a sua contribuição para o projeto de poder que pretende que não se esgote na eleição do seu sucessor em 2010. Este como que guardará o lugar para a volta de Lula no pleito seguinte - extinta a reeleição e ampliado o mandato único para 5 anos. Quando se tem o apoio de 2/3 dos brasileiros e uma oposição "aniquilada", pode se sonhar o que se queira.

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