Artigo - José Nêumanne |
O Estado de S. Paulo |
4/4/2007 |
O maior problema do Brasil no momento é que, embora o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva tenha abandonado a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC há mais de um quarto de século, esse cargo nunca o deixou. Apesar de ter trocado a vida sindical pela militância política, tornando-se símbolo e principal patrimônio do Partido dos Trabalhadores (PT), o presidente chefia o governo da República como se nunca tivesse saído da mesa de negociações em que brilhou nos anos 70 defendendo os interesses dos metalúrgicos daquele bolsão industrial da Grande São Paulo. E desafiando a ditadura militar, que ajudou a derrubar muito mais por sua ação naquela ocasião do que depois nos palanques da campanha das Diretas Já. Muita gente se queixa da falta de prática do principal executivo do governo federal em qualquer cargo público ou privado que o houvesse preparado para gerir os negócios deste país de dimensões continentais e cuja economia ocupa um lugar de destaque entre os países emergentes deste planeta globalizado. Essas críticas são consideradas manifestações de preconceito classista de uma zelite empedernida e ressentida que não consegue conviver com o fato histórico inexorável de que o povo brasileiro, cumprindo seu papel histórico, assumiu o destino nas próprias mãos e renegou a intermediação, que antes era feita pelos bacharéis na democracia burguesa clássica. Pode ser que os teóricos desses grupos que subiram ao poder com o ex-dirigente sindical tenham um pouco de razão quando apelam para esse argumento. Mas é bom que eles se preparem para as fortes evidências que têm surgido com o apagão aeroportuário de que, de um lado, a experiência que Lula não teve na gestão pública está fazendo falta, sim. E, o que é pior, pode ser que, de outro, o excesso de vivência na negociação sindical tenha deformado sua capacidade de decisão a ponto de torná-lo um gestor desastrado para crises graves. Pois tudo indica que o vício do cachimbo sindical entortou - e, infelizmente, parece que não vai ser nada fácil desentortar - a boca do presidente, impedindo-o de lidar bem com os problemas da gestão pública e, o que é ainda mais grave, das instituições republicanas. Esta crise não começou no ar, mas em terra. Não decorreu do choque com o Legacy que pôs a pique o jato de passageiros da Gol há meio ano, mas essa tragédia, em parte acidental, em parte resultante de incúria, em parte conseqüência da fragilidade da infra-estrutura do controle de vôo, trouxe à tona problemas que poderiam não ser de domínio público, mas deveriam fazer parte do acervo de informações de qualquer chefe de governo aplicado. Talvez seja injusto atribuir a desinformação do presidente sobre o caso, como muitos adversários dele o fazem, a um descaso eventual com o segmento da sociedade que pode pagar por passagens aéreas e que, em sua maioria, não vota nele nem tem cacife eleitoral suficiente para derrotá-lo nas urnas. Mas o fato é que, seja qual for a razão, o desconhecimento de um problema das dimensões trazidas a público depois do acidente é imperdoável para o mais poderoso membro de nosso Poder Executivo. Os seis meses entre a tragédia da Amazônia e a morte do passageiro em Curitiba se passaram sem que o presidente da República tivesse tomado nenhuma providência prática, limitando-se a produzir espasmos de autoritarismo verbal que em nada resultaram. Ao longo de meio ano, a Nação foi forçada a conviver com a patética incapacidade do ministro da Defesa, Waldir Pires, sem que seu chefe tomasse a única providência cabível, sua demissão, e com o desafio impune a qualquer noção elementar de hierarquia. O ápice dessa cena de horror foi, num dia, Lula exigir que seus subordinados marcassem data e hora para pôr fim ao caos e, no seguinte, o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, garantir que não há data nem hora aprazadas para o restabelecimento da rotina no setor. Com a gestão anterior da Infraero sob suspeita, numa amostra do erro de optar pelos shopping centers nas estações, em detrimento das pistas, dos equipamentos e do pessoal para controlar os vôos, o governo se perdeu em explicações estapafúrdias para se eximir da culpa óbvia. A camuflagem começou com as desculpas do overbooking e do fretamento. E ficou absurda com a convicção da ministra do Turismo, Marta Suplicy, de que a compra da Varig pela Gol ajudará a resolver a crise. Como se as empresas tivessem algo que ver com equipamentos obsoletos que não funcionam e pessoal amotinado que se recusa a trabalhar nas condições vigentes. Sem conhecer a diferença dos significados das palavras greve e motim e confundindo insubordinação militar com negociação salarial, o chefe do governo, voando para fora do País, como de hábito em crises, desautorizou o comando da Aeronáutica. Ao ceder à chantagem dos sargentos, Lula deu razão a seus críticos, pois lhe faltou a mínima familiaridade com o funcionamento das instituições e errou feio. Ao acenar com a desmilitarização do controle de vôo como saída, com os especialistas advertindo que, na melhor das hipóteses, isso é impossível (na pior, contribuirá para aumentar ainda mais a confusão), o presidente exibiu uma vez mais sua tendência a recorrer a fantasias ideológicas para fugir da realidade comezinha. E, ao recuar do desatino, mostrou que, felizmente, não perdeu o senso pragmático, que sempre foi seu forte. Oxalá essa sensatez prevaleça, afinal! A notória capacidade de comunicação com o brasileiro comum, particularmente o mais pobre, deu a Lula dois mandatos presidenciais. Cabe-lhe honrar a confiança que este cidadão desamparado lhe dá, administrando os negócios da República com mais atenção e cuidado. Pois não há mágica no circo do marketing para desatar nós de má gestão crônica. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, abril 04, 2007
O mal que o cachimbo sindical de Lula faz
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