Tribo da Amazônia que não conhece os números
desafia as teorias sobre a formação dos idiomas
A tribo dos pirahãs, formada por cerca de 350 indígenas que vivem às margens do Rio Maici, no Amazonas, tornou-se um desafio para a ciência. Como muitas tribos da região, eles são caçadores e coletores, mas têm características únicas no que diz respeito à comunicação. Seu idioma desafia todas as teorias sobre como a linguagem humana se desenvolveu nas diferentes culturas. Segundo a tese hoje mais aceita sobre o tema, criada por lingüistas como o americano Noam Chomsky, a formação dos idiomas se pauta por uma espécie de gramática universal com regras comuns. O ser humano é dotado de recursos inatos para usar essas regras. Isso permite às crianças perceber os significados das palavras e das frases e aos poucos ampliar seu vocabulário. Essa gramática universal faz com que todos os idiomas tenham frases subordinadas, que estariam na base dos raciocínios complexos: "Depois de comer, vou à sua casa". O idioma dos pirahãs é o único até hoje identificado no mundo que não tem frases subordinadas, contrariando o conceito de gramática universal.
Os pirahãs não têm palavras para descrever as cores. Não usam tempos verbais que indiquem ações passadas. Não há entre eles a tradição oral de contar histórias. Tudo é dito no presente. A língua escrita não existe. Os pirahãs não desenham e desconhecem qualquer tipo de arte. Eles são a única sociedade no mundo, segundo avaliação de antropólogos, que não cultiva nenhum mito da criação para explicar sua origem. Para completar, os pirahãs não usam números e não sabem contar – têm uma única palavra, "Hói", que significa um ou pequeno. A ausência da abstração aritmética entre os pirahãs foi estudada recentemente pelo lingüista americano Peter Gordon. Ele tentou pacientemente ensinar os indígenas a contar de um a dez, explicando a eles o conceito de números e sua utilidade no dia-a-dia. Não obteve nenhum sucesso. As pesquisas de Gordon confirmaram a teoria do lingüista americano Benjamin Whorf de que o idioma condiciona o raciocínio. Whorf, nos anos 30, afirmava que o ser humano só é capaz de formular pensamentos a partir de elementos que possuam correspondência nas palavras. Como os pirahãs não têm palavras que os façam chegar ao conceito de números, é impossível que entendam seu significado.
Nas últimas décadas, além de Gordon, meia dúzia de pesquisadores se embrenhou na selva amazônica para estudar a língua e a cultura dos pirahãs. O primeiro deles e o mais assíduo é o etnólogo inglês Daniel Everett, da Universidade de Manchester, que morou com a tribo por sete anos desde a década de 70. Foram seus estudos que chamaram a atenção do mundo acadêmico para as particularidades da tribo e para os desafios que ela apresenta à ciência. "A teoria da gramática universal é inadequada para explicar o idioma pirahã", diz Everett. "Sua gramática vem da sua cultura, que é absolutamente única", completa.