Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 12, 2007

Miriam Leitão Agência aérea

Enfim uma agência independente! Independente dos fatos, da realidade! As declarações do diretorpresidente da Anac, Milton Zuanazzi, ontem no Congresso mostram que ele não viu nada: as torturas sofridas por milhares de passageiros nos aeroportos brasileiros, o movimento dos controladores aéreos, a investigação do próprio governo na Infraero, o acidente que matou 154 pessoas, as investigações da causa do acidente que mostraram várias falhas do sistema aéreo brasileiro.

Ao dizer o que disse, Milton Zuanazzi mostrou que realmente foi uma boa escolha para o cargo. Há muito se procurava sua qualificação para ocupar a vaga, além, evidentemente, do fato de ter sido escolhido pela ministra Dilma Rousseff. Agora já se sabe: está lá porque é aéreo.

Flanou por seis meses sobre todo o colapso do transporte aéreo de passageiros no Brasil e nada viu.

Alguém precisa reconciliar o senhor Zuanazzi com a realidade brasileira, porque, com suas declarações, ele constrange até o governo, que criou, meses atrás, um gabinete de crise. Uma providência, pelo visto, ociosa, já que não há crise.

O ministro Waldir Pires falou ontem mesmo nas razões da crise. Seriam três: recursos humanos, falta de equipamentos e procedimentos de gestão. Mas, segundo o ministro, “tudo isso é normal em países em desenvolvimento”.

Ou seja, quem mora em país não desenvolvido, como nós, que corra os riscos que corremos num sistema no qual falham o pessoal, a máquina e a administração.

O presidente da Anac vai além. Não é como o ministro, que admite a crise, mas acha que ela é normal no nosso estágio de desenvolvimento.Zuanazzi afirma que o transporte aéreo está vivendo agora sua melhor “performance”.

A relação do governo Lula com as agências se notabilizou pela falta de compreensão da sua serventia no mundo da moderna regulação.

O governo achou, inicialmente, que era uma terceirização do poder, e detonou uma caça à independência das agências. Teve bons êxitos na caçada. As agências foram encurraladas, e os poucos dirigentes independentes perderam a briga. Diretores foram afastados, e as cadeiras ficaram vazias, impedindo até que houvesse quórum para deliberação.

Depois elas passaram a ser ocupadas por indicados políticos ou políticos indicados. No segundo grupo, está o diretor Leur Lomanto, que festejava na Bahia enquanto os passageiros enfrentavam o colapso da sexta-feira dramática em que o transporte aéreo parou no país.

Mas agora tudo mudou, pois o presidente da Anac independe de tudo, principalmente dos fatos que nos cercam — ou nos encurralam —, para formar seu ponto de vista. É um exemplo de independência! Ele acha que não há crise porque a demanda por transporte aéreo de passageiros aumentou em 18%. Poderia ocorrer a ele que, em sendo o presidente do órgão regulador, deveria ter notado esse crescimento a tempo de tomar providências para garantir o aumento da oferta, principalmente num momento em que a empresa líder faliu. Mas ele, realmente independente — dos fatos —, nada planejou, não tomou decisões estratégicas, não regulou. Isso seria perder sua independência.

Prefere achar que tudo é culpa da herança maldita — isso já não estava ficando fora de moda? — do governo Fernando Henrique. O Plano Real, em 1999, desvalorizou o câmbio e quebrou as empresas, jogando-as na crise, da qual acabam de ser resgatadas, segundo sustentou.

O governo precisa levar a sério a crise aérea. Não é possível tolerar declarações tão sem sentido quanto essas do presidente da Anac. Desde que houve o motim dos controladores militares, o governo jogou sobre eles toda a culpa da crise. Seria apenas uma questão salarial que levou à insatisfação um grupo de controladores mais descontrolados.

Mas quem prestou atenção no que ocorreu nos últimos meses sabe que é muito mais que isso.

O comandante da Aeronáutica disse que não há problemas de equipamento, que não há obsolescência do sistema de controle aéreo e que houve muito investimento nos últimos anos. Consumidora intensiva de transporte aéreo, gostaria de acreditar que isso é verdade. Mas há várias evidências de que o Brasil precisa de mais investimentos nessa área, maior fiscalização e checagem sobre a segurança do vôo. O governo deveria estar ouvindo especialistas, contratando consultoria externa, aumentando a segurança dos vôos, regulando ou desregulando o mercado de transporte civil, estudando soluções permanentes para o conflito de um controle aéreo híbrido: com funcionários civis e militares tendo as mesmas obrigações e salários bem diferentes.

Mas, para o governo, o mais importante é negar a crise, subestimá-la, escondêla, aprovar afastamentos apressados de funcionários da Infraero ou sustentar teses insustentáveis nos depoimentos no Congresso.

Vale tudo para evitar a CPI do Apagão Aéreo.

Não é a CPI que vai resolver a crise. Ela é apenas o recurso posto pela democracia à disposição da minoria para investigar o governo. É o governo que deveria estar tomando providências sérias para garantir aos passageiros a tranqüilidade de saber que está usando um sistema seguro de transporte.

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