AMÃ, Jordânia. O príncipe El Hassan bin Talal, cujo Instituto para Estudos Inter-Religiosos co-patrocina o seminário sobre direitos humanos da Academia da Latinidade, foi o destaque do primeiro dia ao deixar de lado o tom protocolar em que os discursos de abertura desse tipo de reunião são feitos para rejeitar diretamente a definição de “civilização do ódio e da humilhação” como os povos árabes haviam sido descritos em discursos anteriores. Pelo visto, o príncipe considerou por demais condescendente a visão dos representantes ocidentais que falaram antes, que de maneira geral analisaram o surto de violência no Oriente Médio como conseqüência da dominação ocidental, especialmente da visão hegemônica dos Estados Unidos.
Começou dizendo que não tinha o dom da oratória dos políticos e por isso falava de coisas concretas: citou as 200 mil crianças iraquianas que estão na Jordânia e precisam de escolas; citou a situação dos imigrantes árabes na Europa, chamando-os de “exilados”, lembrou a legião de pobres do mundo e falou da necessidade de passar da oratória para providências concretas “enquanto há tempo, e temo que já não exista mais tempo, antes que a única solução se torne uma Kalachnikov (marca de uma metralhadora russa)”.
Para mostrar a que ponto a situação de confronto chegou, o príncipe lembrou que, à medida que o preço do petróleo aumenta, aumenta também a corrida armamentista no Oriente Médio. Ele fez questão de citar “as maiorias silenciadas, e não silenciosas”, como as que têm que ser atendidas em suas “necessidades humanas”, juntamente com os direitos humanos, que são o tema central da reunião. E chegou a perguntar se, ao se negar a essas crianças e a essas maiorias silenciadas os direitos mínimos à educação, à compreensão, ao lazer, à habitação, não estaríamos fabricando homens-bomba.
O príncipe El Hassan bin Talal, que é presidente do Clube de Roma, anunciou que estará participando nos próximos dias de mais uma reunião para uma tentativa de solução da questão do Iraque e fez um apelo para que as forças democráticas do mundo ocidental pressionassem por uma solução, que pode ter sua última chance.
À tarde, o sociólogo francês Alain Touraine, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, falou sobre o valor universal dos direitos humanos, começando por salientar que estamos diante de um impasse: é preciso reconhecer que o universalismo foi utilizado por países ou grupos sociais dominantes como instrumento de sua dominação.
E, ao mesmo tempo em que os princípios filosóficos do Iluminismo eram elaborados, ainda existia a escravidão, e, nos próprios países criadores do universalismo, certos direitos políticos eram negados, e as mulheres estavam fora da vida pública.
A grande pergunta, para Touraine, é: o mundo islâmico, dentro de seu conjunto, e em suas várias partes, responde à modernidade, reconhecendo os direitos pessoais, ou essa é uma vasta região onde esses critérios não são aplicáveis e, por consequência, não está disposta a se comunicar com outras partes do mundo a não ser pela guerra e pela rejeição a populações que lhe parecem infiéis à mensagem divina? Alain Touraine diz que a História mostra que grande parte do mundo islâmico não rejeita a modernidade, nem os conceitos de direitos individuais, mas trocou esses conceitos pelo “direito comunitário” para se defender das conquistas. Ele comentou que muitos acham que a presença de uma minoria islâmica importante na Europa pode desenvolver um Islã ocidentalizado e mais próximo das normas jurídicas e morais do Ocidente.
Discordando dessa teoria, Touraine lembrou que, quanto mais o Islã se aprofunda no Ocidente, é entre as camadas mais jovens que surgem os que chamamos de terroristas, que usam a violência para destruir os que consideram estar destruindo sua cultura.
Mais especificamente, a impossibilidade de os palestinos terem seu próprio Estado.
Touraine acha que o exemplo da Turquia, e talvez do Irã, identifica o caminho para um retorno ao conceito de modernidade ocidental. É a capacidade econômica ou política de um país ou de uma região que fará com que os termos criativos e positivos da modernidade se imponham.
Para ele, se se recusa a existência de princípios universais e se rejeita a idéia da modernidade cuja essência é reconhecer a presença de princípios universais nos indivíduos particulares e de situações específicas, não existirá mais comunicação possível entre os atores cujas culturas são completamente diferentes e que, por essa razão, acabam se tornando necessariamente inimigos.
Ele esclareceu que não se trata de querer impor um modelo ocidental ao mundo, mas insistir na existência de princípios que, elaborados em uma parte do mundo e em uma época precisa, devem ser reconhecidos como valores universais pelo conjunto dos países.
Assim como, argumentou, a matemática e a astronomia foram desenvolvidas em certos países e em determinadas épocas ( Egito e antiga Mesopotâmia), o que não impediu de serem aceitas pelo mundo inteiro, dentro de normas racionais.
Alain Touraine acentuou durante sua palestra que não se deve nunca concluir que uma cultura ou uma experiência histórica particular correspondem inteiramente ao conceito geral de modernidade. Ele diz que é preciso reconhecer que nenhuma sociedade tem o monopólio dos grandes princípios da modernidade, e o grau de acirramento dos conflitos fundamentais, sejam religiosos e culturais, ou simplesmente econômicos, obriga-nos a buscar negociações em níveis mais profundos e elevados, próximos dos valores e dos interesses fundamentais, e longe de declarações puramente ideológicas.
Entrevista:O Estado inteligente
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