Para Florentino, pasta da Igualdade Racial faz o contrário do que anuncia
Felipe Werneck, RIO
O discurso da ministra Matilde Ribeiro - que disse considerar natural o racismo de negros contra brancos no Brasil - é “racista” e “coerente” com o trabalho desenvolvido por ela à frente da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, diz o doutor em História e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Manolo Florentino. “Se buscarmos os documentos que eles produzem e trocarmos a palavra negro por branco, a impressão é a de que é Goebbels falando. É um troço assim impressionante. A fala tem absoluta coerência, não tem nenhuma novidade”, afirmou Florentino, referindo-se ao ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels.
E qual será o resultado da declaração? “Nenhum. Em um governo pautado fundamentalmente por movimentos sociais, alguém vai ter a coragem de demitir essa senhora?” Para ele, a secretaria promove o contrário do que anuncia, ao estimular a criação de um conjunto de etnias no País. Florentino reconhece que há racismo no Brasil, mas afirma que o conflito é social. Qual é a saída? “Pura e simplesmente tornar esse país um pouco menos pobre.” Ele conversou com o Estado na quinta-feira, em uma sala do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ. A seguir, os principais trechos.
DECLARAÇÃO DA MINISTRA
“A impressão que se tem é a de que as pessoas não têm a menor noção do que estão fazendo. Eu achei a declaração da ministra supercoerente com a idéia de criar uma secretaria, com o que ela vem desenvolvendo. O Estatuto da Igualdade Racial parece um documento nazista. Se buscarmos os documentos que eles produzem e trocarmos a palavra negro por branco, a impressão é a de que é Goebbels falando. Grande parte dos documentos emanados por este órgão, por estar pautada na racialização, trabalha em última instância com a noção de raça. Evidentemente, quando se pensa em raça hoje em dia imediatamente se remete ao nazismo, que foi efetivamente ao longo dos últimos 100 anos o mais importante, para o mal, projeto de humanidade calcado em racialização.”
CRIME
“Tem três coisas que me parecem interessantes na fala da ministra. Uma é o desconhecimento muito grande da legislação brasileira, porque racismo é crime. O que a ministra fez, mesmo depois dando aquelas explicações, atenta contra a lei. Ela deveria, ou poderia, ser processada por insuflar racismo. Ela teve uma atitude racista. A outra coisa: parece que nós estamos sendo governados nesse setor pelo senso comum, porque trabalha-se com a categoria raça, que é um troço que está banido da antropologia, da sociologia e da biologia. (O que a ciência já provou amplamente é que só existe uma raça, a humana). A terceira dimensão é que é impressionante: uma pessoa que ocupa um cargo público dizer esse tipo de coisa. Acho que é um desconhecimento, não é possível que alguém no mundo de hoje não saiba que raças não existem. Pode ser qualquer pessoa, menos um ministro de Estado que tem por função promover a igualdade racial. Acho que ela está sendo pautada pelos movimentos sociais, está cumprindo um papel lamentável, nesse caso especifico. E o terrível é que não vai haver pedido de desculpas, não vai acontecer nada.”
MOVIMENTO NEGRO
“Nos primórdios dos movimentos negros brasileiros, nos anos 30, eles postulavam um sentido de profundo orgulho da nossa miscigenação. Os primeiros líderes negros sabiam com clareza o que significava isso do ponto de vista civilizacional. E não apostavam de modo algum em um País repartido, separado, apartado, de brancos de um lado e negros do outro. Atualmente a postura é diferente. E aí eu não acho que o governo Lula seja o único culpado. Por interferência e diretriz governamental, tem se postulado sim a fundação de um novo Brasil, bicolor, separado, repartido em etnias. Voltar a uma etapa de multiculturalismo que já está historicamente ultrapassada. Os chamados movimentos sociais têm um peso muito grande nas formulações de políticas nesse governo. Então eles não devem ser ouvidos? Claro que devem. Mas o Estado brasileiro é o Estado dos brasileiros. O presidente é o presidente dos brasileiros, não é o presidente dos negros, dos azuis, dos amarelos, sequer dos pobres.”
RACISMO E POBREZA
“Não creio que uma pessoa no Brasil hoje se afaste de um negro por ele ser negro. As pessoas gostam de negros, gostam de brancos, gostam de amarelos, ou não gostam de negros, não gostam de brancos, não gostam de amarelos. Você está perguntando se há racismo no Brasil. Eu não tenho a menor dúvida disso. A minha dúvida é se a gente combate o racismo a partir de políticas que primam por racializar as relações. Acho que não. Racismo, para mim, é caso de polícia. O grande problema brasileiro é a pobreza mesmo. Eu não tenho muita certeza se o racismo brasileiro chega a se expressar numa espécie de apartheid como na África do Sul. Essa brincadeirinha com raças no Brasil, a criação de identidade étnica num país como esse, isso vai acabar insuflando o ódio racial. Muita gente diz que hoje em dia o Brasil não é racista. Eu acho mais correto dizer que não queremos ser racistas. Agora, que há, há. Cor no Brasil é uma questão de posição social. Você enriquece e vai deixando de ser negro ou pardo. O Chico Buarque disse uma vez que jura ter visto um sujeito que era branco e que ficando pobre passou a ser tratado como preto. O que se pode fazer é pura e simplesmente tornar esse país um pouco menos pobre. Na medida em que o país retoma o crescimento econômico, mais pessoas abandonam a linha de pobreza, e essas pessoas são pardas e negras.”
COTAS
“Percebeu-se, e aí a coisa vem desde a época do Fernando Henrique, que isso não seria uma batalha fácil. Sobretudo porque as nossas grandes universidades rejeitam. E o que aconteceu é que eles resolveram mudar de estratégia. Em vez de impor o projeto de cima para baixo, eles vão fazer uma espécie de chantagem, em que a liberação de verbas vai ficar condicionada à adoção de políticas afirmativas. Essa é que é a questão. É o sonho de todo político: inclusão social a custo zero, que não toma o tempo dele e ele ainda ganha votos.”
FRASES
Manolo Florentino
Professor da UFRJ
“Se buscarmos os documentos que eles produzem e trocarmos a palavra negro por branco, a impressão é a de que é Goebbels falando”
“Parece que nós estamos sendo governados nesse setor pelo senso comum, porque trabalha-se com a categoria raça, que é um troço que está banido”