Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 04, 2007

Firula presidencial



EDITORIAL
Folha de S. Paulo
4/4/2007

Lula ensaia um recuo para ganhar tempo na crise aérea, mas deve plano urgente para superar a paralisia nos aeroportos

FAZIA TEMPO que o presidente Lula não recorria a seus dotes macunaímicos, mas a crise aérea convocou de volta o personagem. Tudo o que havia sido dito e prometido na noite de sexta-feira, 30 de março, ficou embaralhado tão logo entrou abril.
O presidente mandou o ministro do Planejamento atropelar a cadeia de comando militar e negociar diretamente com um grupo de sargentos amotinados. Negociar não é o verbo adequado; o governo curvou-se a todas as demandas dos rebelados. Mas agora Lula afirma que não é bem assim, que não tinha "o quadro completo" quando tomou a decisão, a bordo de seu Airbus que sempre decola no horário.
O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, desautorizado havia quatro dias, recebeu ontem de Lula a incumbência de capitanear a passagem do controle de tráfego para mãos civis. Desautorizado ficou agora o chefe de Saito, ministro Waldir Pires (Defesa), o que não deixa de ter um aspecto promissor.
O presidente também "reavaliou" a promessa que fez aos controladores em motim de não os punir. Foi firula, para usar um termo do repertório presidencial. A repressão disciplinar que deveria ter sido aplicada na sexta foi evitada por Lula -isso é fato. Já sobre as sanções na Justiça Militar, a partir de inquérito solicitado pela respectiva Promotoria, o presidente não tem poder de interferência. Eventuais anistias, só no fim do processo, se o Congresso aprovar.
Lula informa também que o brigadeiro Saito poderá prender os rebelados. Mas só na hipótese de ocorrer um novo motim.
Paulo Bernardo, do Planejamento, que na sexta entregaria até a preciosa churrasqueira da Granja do Torto se os controladores o exigissem, agora diz que não negocia com "a faca no pescoço". E a patética meia volta culminou com um clássico. Durante encontro com lideranças de sua base parlamentar, o presidente afirmou que foi traído por um grupo de controladores.
Como se vê, Lula fez que foi, mas acabou não indo; fez que voltou, mas não realizou o recuo completo. Embolou o meio de campo, como se diz no futebol. Guarda na memória, decerto, que a tática da dissimulação e da protelação lhe foi útil nas crises anteriores, as quais o tempo se encarregou de dissolver.
Desta vez, no entanto, Lula está diante de um problema inédito em sua Presidência, e não só porque o passar dos meses contribui para agravá-lo. Nunca na história deste governo o Planalto enfrentou uma crise tão urgente para a qual precisasse oferecer uma solução baseada em avaliações técnicas complexas e planejamento, em negociações delicadas e capacidade de tomar decisões -competência gerencial e política, enfim.
Há seis meses o governo se esquiva de apresentar um plano para debelar a crise em seus aspectos conjunturais e estruturais. Terá de abandonar a indolência de Macunaíma para cumprir a sua obrigação.

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