Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 04, 2007

Mudando de lugar - Alexandre Schwartsman




Folha de S. Paulo
4/4/2007

Há razões bastante sólidas para acreditar que a política fiscal tem contribuído para a apreciação cambial

ABORDEI NA minha última coluna a taxa real de câmbio, argumentando que o comportamento da economia (saldos elevados em conta corrente e expansão vigorosa da demanda doméstica) sugere uma taxa próxima ao seu equilíbrio. Coincidentemente alguns expoentes do "desenvolvimentismo", que passaram os últimos anos a reclamar da taxa de câmbio, parecem ter finalmente se rendido a essas evidências, reconhecendo que o câmbio veio para ficar.
A taxa real de equilíbrio, porém, não é uma grandeza imutável. Ela é determinada, entre outras coisas, pelos preços das exportações brasileiras, que, do seu pior momento em 2002 ao começo de 2007, cresceram cerca de 50%, seguindo os preços das commodities (aumento de 65% no período). Da mesma forma, a taxa real de câmbio reage à disposição dos estrangeiros em investir no país, variável que pode ser auferida pela evolução dos prêmios pagos pelos papéis brasileiros no exterior. Esses também mostraram notável redução, caindo para cerca de 1,7 ponto percentual nos últimos meses, contra mais de 13 pontos percentuais em 2002 (também nosso pior momento).
Não é difícil concluir, portanto, que a apreciação da taxa real de câmbio de equilíbrio se deve à combinação favorável de preços mais altos de exportações e redução da percepção de risco-país (bem como a outros fatores que exploro à frente), em particular na comparação com 2002. Até "desenvolvimentistas" empedernidos já aceitam os fatos, mesmo que presumivelmente não gostem deles. Curioso, porém, é que não atentam, em sua maioria, para políticas que poderiam levar a taxas reais de câmbio de equilíbrio menos apreciadas que a atual.
Uma forma de olhar a taxa real de câmbio equivalente à tradicional medida da taxa nominal ajustada pela diferença entre a inflação doméstica e a externa é a relação entre os preços dos produtos comercializáveis internacionalmente (como aviões, carne etc.) e os dos não-comercializáveis internacionalmente (tipicamente serviços).
Com efeito, se o preço dos comercializáveis sobe mais que o dos não-comercializáveis, as mensagens que a economia ouve são: a) produza mais produtos comercializáveis e menos não-comercializáveis; e b) consuma menos comercializáveis e mais não-comercializáveis. À diferença entre a produção e o consumo interno de bens comercializáveis dá-se a alcunha de saldo comercial, que cresce com a elevação desse preço relativo.
Assim, um aumento do preço dos bens comercializáveis em relação aos não-comercializáveis corresponde à depreciação real do câmbio; já uma queda equivale à apreciação real da moeda. Logo, se os gestores de política querem alterar a taxa real de câmbio, tudo que têm a fazer é achar variáveis que afetem a demanda e a oferta de bens comercializáveis e não-comercializáveis. Em particular, se querem uma taxa real de câmbio mais depreciada, basta reduzir a demanda por bens não-comercializáveis.
Acontece que o gasto público brasileiro, além de afetar a demanda doméstica, é bem mais concentrado em produtos não-comercializáveis. Uma forma evidente, portanto, de reduzir a demanda por esses produtos e depreciar a taxa real de câmbio seria reduzir de forma persistente o gasto, mas -como tenho argumentado há tempos- a trajetória dessa variável tem sido bastante diversa: o dispêndio federal (sem contar Estados e municípios) subiu mais de 3 pontos percentuais do PIB entre 1997 e 2006, dos quais 1,5 ponto percentual de 2002 para cá.
Há, pois, razões bastante sólidas para acreditar que a política fiscal tem contribuído para a apreciação cambial. Olhando o fenômeno por um prisma distinto, é fácil concluir que as taxas de juros consistentes com as metas de inflação teriam sido menores que as observadas se os gastos fossem mais baixos, implicando taxas nominais de câmbio mais depreciadas para a mesma trajetória de inflação, ou seja, taxas reais também mais depreciadas.
Ironicamente, os mesmos que se dizem preocupados com o câmbio são os grandes defensores das políticas que contribuem para a valorização da taxa real de câmbio. Triste, mas verdadeiro.
PS: A Henry Sobel. Grandes feitos não garantem a absolvição; erros, porém, jamais apagarão os grandes feitos. Shalom.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

alexandre.schwartsman@hotmail.com

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