Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 03, 2007

De mentiras e meias verdades

por Ricardo Noblat -
3.4.2007
| 17h08m


Diante da ofensiva do governo para reescrever em seu favor o que aconteceu desde o primeiro apagão aéreo em novembro último, examinemos algumas mentiras e meias verdades postas a circular nas últimas 24 horas.


1. Lula foi traído pelas costas. Os controladores de vôo aproveitaram a viagem dele aos Estados Unidos na última sexta-feira para apagar de vez a decolagem de aviões nos 49 aeroportos comerciais do país.


Traído coisa nenhuma. O país vinha de apagão em apagão desde a tragédia do Boeing da GOL em outubro passado, que resultou na morte de 154 pessoas. Foram pelo menos seis. E o governo empurrou o problema de barriga, prometendo soluções que jamais adotou. No meio da tarde da última sexta-feira, o comando da Aeronáutica avisou ao ministro Waldir Pires, da Defesa, que viajasse ao Rio porque não havia risco de se alastrar o apagão que começara pela manhã. Àquela altura, nem os líderes dos controladores de vôo tinham certeza de que o apagão seria um sucesso. Pois foi.


2. Lula cedeu às exigências dos controladores amotinados para evitar pôr em risco a segurança nacional.


Ora, se a interrupção do tráfego aéreo poderia pôr em risco a segurança nacional por que o governo nada fez para evitá-la nos ultimos quatro meses? E por que não fez nos primeiros quatro anos de Lula presidente? Ele foi alertado para o risco no relatório que recebeu em março de 2003 do ministro da Defesa da época, embaixador José Viegas. Lula não deu bola para o relatório. E depois não deu para um plano de Viegas que poderia ter evitado a quebradeira da VARIG. Em 2004, a TAM e a GOL estavam prontas para comprar a VARIG. Viegas pediu demissão quando Lula lhe negou a demissão do comandante do Exército, que desrespeitara uma ordem dele. Lula rendeu-se na sexta-feira às exigências dos controladores em greve porque havia sido imprevidente até então. E porque se comportou mais como sindicalista do que como presidente da República, obrigado a cumprir a lei.


3. O apagão da sexta-feira deixou finalmente claro que os controladores de vôo estavam insatisfeitos com seus salários. Por isso a CPI do Apagão não é mais necessária.


Quer dizer que somente há quatro dias o governo concluiu que os controladores estavam insatisfeitos com seus salários? Brincadeira! Brincadeira, não: cinismo da pior espécie. E quer dizer que basta aumentar os salários deles para que a CPI não se justifique mais? Primitivo argumento. Que não resiste a um sopro. A insatisfação dos controladores com seus salários foi proclamada por eles desde o primeiro apagão em novembro. Há muita coisa a ser investigada pela CPI. Qual a parcela de culpa do governo na crise do setor áreo? E a parcela de culpa das empresas? Houve ou não desvio de dinheiro em obras de ampliação de aeroportos? O Tribunal de Contas da União suspeita que sim.


4. Lula recuou da decisão de não punir os controladores amotinados. E avaliza a ação da Justiça Militar para processá-los e até puni-los.


O aval de Lula é irrelevante. O Ministério Público da Justiça Militar tem autonomia para abrir inquérito, investigar e sugerir punições. Lula tenta extrair vantagens políticas de uma decisão do Ministério Público que começou a ser amadurecida na última sexta-feira; que no sábado foi discutida pelo comandante da Aeronáutica com outros brigadeiros; e que finalmente se materializou ontem. Com isso, Lula tenta voltar às boas com os chefes militares. E vende à opinião pública a idéia de que sabe ser duro quando é preciso. De fato, Lula mandou o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, oferecer aos controladores o que ele não poderia entregar: a certeza da impunidade.


5. O ministro do Planejamento nega que tenha garantido aos grevistas que eles seriam anistiados.


Ora, e o que significa se não uma anistia o primeiro ítem da nota assinada pelo ministro e pela secretária executiva da Casa Civil Erinice Guerra na noite da última sexta-feira? Ei-lo:


- O governo federal fará a revisão dos atos disciplinares militares, tais como transferências, afastamentos e outros, envolvendo representantes de associações de controladores de tráfego aéreo ocorridos nos últimos seis meses, assim como assegura que não serão praticadas punições em decorrência da manifestação ocorrida no dia 30/3/2007;


O ministro fez o que Lula mandou. Amarga a sensação de estar sendo abandonado por ele como outros auxiliares foram quando quando Lula quis tirar o seu da reta. Na sexta-feira, Lula desautorizou o comandante da Aeronáutica que expedira ordem de prisão contra 18 grevistas. O desautorizado de hoje foi o ministro do Planejamento, obrigado a negar o que recebeu pronto e assinou embaixo.


6. "O governo não negocia com a faca no pescoço. Só voltará a negociar com os controladores quando eles voltarem ao trabalho", disse há pouco o ministro do Planejamento.


Que papo é esse? Como não negocia com a faca no pescoço? Negociou na sexta-feira. E foi por isso que os controladores voltaram ao trabalho. O movimento nos aeroportos está normal -- tanto que dos 780 vôos programados entre a 0h e as 12h desta terça-feira, apenas 29 tiveram atrasos de mais de uma hora, o equivalente a 3,7%, e cinco foram cancelados. O governo finge que fala grosso porque sente o pescoço ameaçado pela faca da péssima repercussão do seu ato de avalizar uma greve proibida pela Constituição.

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