Eles podem ser soltos
Deputados aprovam, sem ler, projeto
que dá liberdade provisória a autores
de crimes hediondos
Marcelo Carneiro
Fotos Gabriel de Paiva/Ag. O Globo e Fabio Motta/AE |
Dois dos acusados da morte de João Hélio (no detalhe): pela nova lei, eles podem aguardar o julgamento fora da prisão |
Não contentes em querer aumentar os seus próprios vencimentos, ao mesmo tempo em que diminuem sua carga horária, parlamentares brasileiros agora não se dão sequer ao trabalho de ler os projetos de lei que aprovam. No último mês de fevereiro, o Congresso Nacional votou às pressas uma série de projetos prevendo mudanças na legislação penal. O objetivo era dar uma resposta ao clamor popular pelo endurecimento das punições aos criminosos, motivado pelo assassinato do menino João Hélio Fernandes – arrastado até a morte depois de ficar preso pelo cinto de segurança durante um assalto ao carro de sua mãe, no Rio de Janeiro. Ocorre que, como mostrou reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, na segunda-feira, entre as medidas que os parlamentares aprovaram está uma que, proposta pelo governo, em vez de dificultar, facilita a vida de autores de crimes como seqüestro, tráfico de drogas e homicídio com crueldade.
Pela legislação anterior, bandidos acusados de um crime hediondo, como os assassinos de João Hélio, não tinham direito ao benefício da liberdade provisória, reservado apenas a autores de crimes comuns. Agora, desde o mês passado, qualquer criminoso, incluindo os assassinos do menino carioca, pode solicitar o benefício. A decisão de concedê-lo ou não, evidentemente, cabe a um juiz. E por que uma medida dessas foi tão facilmente aprovada pelos congressistas? Simplesmente porque a maior parte dos deputados de oposição não entendeu o que estava votando. "Essa mudança é obviamente um retrocesso na nossa intenção de endurecer a legislação penal. Passou sem que fosse percebida", diz o líder dos Democratas na Câmara, Onyx Lorenzoni. "Agora, é reconhecer o erro e tentar uma nova mudança na lei."
Um dos principais defensores do direito à liberdade provisória para acusados de crimes hediondos é o hoje advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos. Foi durante a sua gestão como ministro da Justiça, em 2006, que o projeto de mudança na Lei de Crimes Hediondos foi enviado pelo governo ao Congresso. Urdido no gabinete do ministro, o projeto trazia a justificativa de que algumas decisões do Supremo Tribunal Federal já estavam desconsiderando a lei em vigor e concedendo liberdade provisória a acusados de crimes hediondos. Seria necessário, portanto, segundo os argumentos do ex-ministro, ajustar a lei às decisões do STF. É provável que, ao defender uma medida que, em última análise, beneficia autores de crimes violentos, Márcio Thomaz Bastos tenha deixado o advogado falar mais alto do que o ministro – uma vez que a mudança tornará mais fácil não só a vida dos bandidos como a de seus defensores. Thomaz Bastos, no entanto, ao contrário dos deputados de oposição, ao menos sabia o que estava fazendo.