Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 10, 2007

Como num livro de Vargas Llosa- Augusto Nunes



Coisas da Política
Jornal do Brasil
10/4/2007

Foi uma primavera espantosa. Já na primeira semana a colisão entre dois aviões nos céus da Amazônia matou 154 brasileiros e avisou que outros milhões só continuam vivos porque Deus também é brasileiro e andava cuidando do que o governo, por falta de verba, vergonha e vigilância, deixara por conta da Divina Providência, até aquele buraco negro no meio das nuvens do Pará que nem Ele conseguiu enxergar.
Um mês depois do grande desastre, multidões perplexas começaram a vagar pelos aeroportos à espera de aviões que não chegavam, à procura de aviões que não partiam, em busca de informações que ninguém tinha. Muito menos os funcionários nos guichês, que só tinham desculpas a pedir, e os diretores das empresas aéreas, que só tinham bilhetes para vender a interessados em vôos que não existiriam.
O ministro da Aeronáutica culpou os sargentos e paisanos pagos para zelar pelos céus do Brasil. Os controladores de vôo culparam os salários baixos, os equipamentos obsoletos, o excesso de trabalho. O ministro da Defesa culpou a chuva e o nevoeiro. A Infraero culpou o cachorro que dera de vadiar pela pista principal de Congonhas. A Anac culpou os passageiros que insistiam todos os dias em viajar de avião.
A essa fabulosa primavera se seguiu um verão igualmente extraordinário. Enquanto se caçavam culpados em terra, tudo o que voava pareceu enlouquecer. Uma pomba suicidou-se em Congonhas e interrompeu por 14 minutos os pousos e decolagens. O presidente da República, dono do único objeto voador que continuou partindo e chegando na hora, oito vezes ordenou aos aviões que criassem juízo, foi oito vezes desobedecido e achou melhor cuidar dos outros problemas do país.
Como nem o maior governante desde as caravelas pode remover sozinho 500 anos de entulho, o presidente tratou de montar a melhor equipe da História. Walfrido dos Mares Guia, por ter feito bonito no Ministério do Turismo, foi cuidar das coisas da política e Marta Suplicy, por ter feito bonito na política, foi cuidar das coisas do Turismo.
Carlos Lupi, futuro ministro da Previdência, virou ministro do Trabalho por não saber o que mudar no sistema previdenciário e Luiz Marinho, antigo ministro do Trabalho, virou ministro da Previdência por não saber como mudar a legislação trabalhista. Alfredo Nascimento, que deixara o Ministério dos Transportes no fim do primeiro mandato para tornar-se senador pelo Amazonas, voltou a Brasília com a vaga no bolso e, nas costas, cinco processo por crimes eleitorais.
Antes do acerto de contas com a Justiça foi reconvocado pelo chefe para servir à nação no mesmo Ministério dos Transportes, agora com mais dinheiro. Matilde Ribeiro, encarregada pelo governo de erradicar a praga do raciscmo, declarou a uma emissora de rário inglesa que negros têm o direito de ser racistas com descendentes brancos, pois seus ancestrais foram açoitados nos tempos da escravidão.
O Rio registrou 700 assassinatos em 80 dias, uma cratera nas obras do metrô de São Paulo engoliu casas, carros e vidas, mas o presidente da Câmara decidiu que aumentar o salário dos deputados era bem mais importante que tudo isso, muito mais urgente que encerrar o apagão interminável, e comunicou ao país que não existe nada a investigar nos aeroportos reduzidos a zonas conflagradas.
Quando o verão terminou, e um motim de sargentos paralisou de vez os céus do país, milhões de brasileiros enfim compreenderam que havia seis meses estavam aprisionados, e ali talvez permaneçam por muitas estações, num instante impreciso da mais estranha das horas, que desta vez chegara, como sempre sem aviso, para anunciar o começo da fabulosa primavera: a Hora do Espanto.

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