Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 04, 2007

Assentamentos insustentáveis


editorial
O Estado de S. Paulo
4/4/2007

A tentativa de combinação da solução do “problema dos sem-terra” com as exigências do “desenvolvimento sustentável” para a região brasileira mais vulnerável à devastação ambiental, que é a Amazônia, ilustra com perfeição o velho ditado que diz: de boas intenções o inferno está cheio. Foi pressionado pelos movimentos sociais que o presidente Fernando Henrique criou os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), de Assentamento Agroextrativista (PAE) e de Assentamento Florestal (PAF), tendo em vista dar condições de trabalho a famílias na região sem devastar as florestas, o que se julgava possível com a exploração extrativista e o uso de técnicas de manejo sustentável. Facilitava a iniciativa o fato de a região concentrar a maior extensão de áreas públicas, o que dispensava o dispêndio de recursos públicos para as desapropriações para efeito de reforma agrária.

Ocorre que, seja em razão do problema da infra-estrutura precária, que nunca foi resolvido, seja pela baixa rentabilidade da atividade extrativista, seja pela falta de recursos de produção das famílias, estas não encontraram meio de sustentar-se sem associar-se ao desmatamento predatório, permitindo às madeireiras - por preços irrisórios - a continuidade pura e simples da devastação das matas. Apesar dos efeitos desastrados dessa política de assentamentos insustentáveis, foi ela intensificada no governo Lula, a ponto de, desde o ano passado, ter dobrado a área de reforma agrária no Distrito da BR-163, no oeste do Pará, onde desde fevereiro de 2006 (quando foi implantado o primeiro distrito florestal do País) 8 mil famílias de sem-terra receberam quase 700 mil hectares, em 30 projetos de assentamento. A grande distorção, percebida pelos ambientalistas, mas também por muitos defensores da reforma agrária, é o fato de o governo prender-se, em suas metas e avaliações, muito mais à quantidade de assentados do que à qualidade dos assentamentos. É como disse o ambientalista Adalberto Veríssimo, da organização não-governamental Imazon, sobre o boom expansionista dos assentamentos amazônicos: “O histórico dos projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia é desastroso e se contam nos dedos os casos que deram certo.”

Se o Ibama ou a Funai pretenderem desenvolver qualquer projeto que envolva ocupação da floresta amazônica, precisam provar, com estudos rigorosos, sua viabilidade - seja a de uma unidade de conservação, seja a da demarcação de um território indígena. Já o Incra, para realizar seus assentamentos, basta ir a campo, mapear os locais com comunidades instaladas e publicar uma portaria destinando uma gleba pública para assentamento enquadrado no programa governamental de reforma agrária. Com essa facilidade é que, apenas no Pará, 9 milhões de hectares foram destinados a projetos desse tipo no primeiro mandato do presidente Lula.

Há que se registrar, por outro lado, que nesse processo de assentamento nem sempre os órgãos governamentais revelam algum tipo de entrosamento, tal o caso, por exemplo, da comunicação de dados entre o Incra e o Serviço Florestal Brasileiro, órgão autônomo do Ministério do Meio Ambiente, na concessão de florestas públicas e ajuda ao manejo sustentável dos assentamentos de sem-terra. Isso já levou a projetos de assentamentos de sem-terra dentro de duas florestas nacionais e de um parque nacional.

É preciso considerar, finalmente, que, se já é muito discutível - para dizer o menos - a necessidade de se continuar a política de distribuição de terras, pela via da reforma agrária, julgando-se que com ela se dinamizará a produção agropecuária do País e, sobretudo, se dará solução ao problema da falta de emprego e renda no meio rural - pois a realidade da escala do agronegócio, nestes tempos de alta sofisticação tecnológica, apontam em sentido diverso -, certo é que o Brasil já começa a sofrer a pesada marcação internacional, nesse atemorizante estado de aquecimento global em que se encontra o planeta, em razão da devastação da Amazônia e tudo o que isso significa em termos de aumento de dióxido de carbono e produção do efeito estufa no globo terrestre. Neste sentido esses assentamentos estão sendo não só nacional, mas mundialmente insustentáveis.

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