Mulheres nuas entre cascatas de camarão |
O Globo |
3/4/2007 |
Na falta de saída para o mundo, só o sonho nos salva Quando eu vejo os aeroportos no caos, quando vejo o vice-presidente rindo e dizendo que não tem medo de voar sem radar porque "avião tem farol", quando vejo a impotência dos políticos diante da velocidade dos horrores, do crime, da poluição, quando vejo a paralisia brasileira tocada apenas pelo marketing do Lula e, mais, abrindo os olhos para o mundo, quando vejo a política internacional com o Iraque, Irã, Palestina-Israel, quando vejo o Karl Rove dançando funk como um paralítico bêbado (Rove é o pai do Bush, o formulador do caos mundial), quando vejo isso tudo penso, desculpem, em Hegel. Ele falou em "salto qualitativo". Sabem o que é isso? Bem...quando pequenas mudanças vão se acumulando na História ou num corpo, de repente, o que eram mutações quantitativas, viram qualidade. E pronto... não voltam mais atrás. Muitos pequenos erros acabam virando um grande equívoco definitivo, pequenos desastres organizam aos poucos uma grande catástrofe, como foram, por exemplo, o avião da Gol ou a eleição roubada do Bush. Creio que o mundo está dando um salto qualitativo para trás. Um salto mortal de costas. Desculpem o "filosofismo" de um não-acadêmico (o titulo do artigo é um chamariz para me lerem), mas está claro demais que as instituições de poder disponíveis no mundo (no Brasil já temos a zorra institucional) não controlam mais a velocidade da vida social; a superpopulação + tecnologia + descontrole ecológico tramam uma catástrofe no horizonte. Cada vez mais, a política tem sido um espetáculo, um balé. O mundo será uma grande "economia sem sociedade", espalhando-se por cima dos ex-Estados-Nação e os Parlamentos serão circos fingindo legislar. No Brasil, a política já é um país dentro de outro, com leis próprias, ética própria a que assistimos, impotentes. No mundo inteiro, a esperança de um futuro iluminado está indo por água abaixo e a vontade dos homens está mais submetida às suas produções; as coisas mandam nos desejos e os programam. O antigo sonho de liberdade e harmonia está se esgarçando, enquanto um futuro moldado pelo mercado manifesta-se claramente. As ONGs se multiplicam tentando dar à chamada "sociedade civil" meios de evitar o domínio de um Estado anacrônico sobre a vida. Mas o problema é que, enquanto comércio, economia, cultura, terrorismo, pandemias foram globalizados, o processo da política ficou dentro dos estados nacionais farsescos. A ONU é uma piada. Assim, podemos ir nos conformando com um futuro torto, onde talvez cheguemos (quem sabe?) até a uma forma de psicótica felicidade. É muito doloroso pensar sem a idéia de fim, de finalidade. Mas toda a tradição platônica de que, um dia, uma harmonia seria atingida foi para o brejo mesmo. Pela aceleração do espaço-tempo, da biotecnologia e da virtualidade da vida, teremos o desespero de um "enorme presente". Tudo se passará aqui e agora, sempre. O passado será chamado de "depreciação". Teremos saudades da linearidade, da perspectiva, do princípio, do meio e do fim, teremos saudades do inútil e da lentidão, angustiados diante de um futuro que não pára de não chegar. (Desculpem, este artigo está muito "papo-cabeça", mas tenho de continuar...) De certa forma, os islâmicos se "adiantaram" e têm a consciência de que não existem como indivíduos e ficam de rabo para o ar, como um só formigueiro. Nós ainda acreditamos no indivíduo, mas, dentro em pouco, o indivíduo não será uma ilusão? Os primeiros sinais de nossa futura babaquice já estão presentes na ridícula febre narcisista da celebridades que tomou conta do Ocidente. Será o fim do sujeito. Seremos todos objetos. Por isso, a luta "política" (vale o nome?) passou a ser uma luta contra o Uno. Antes, as esquerdas queriam fazer a realidade complexa e injusta caber numa utopia total, totalitária. Era o Uno contra o Múltiplo. Hoje, ao contrário, esboçam-se tribos na luta pela diversidade, contra o totalitarismo do turbo-capitalismo. Agora, os novos "combatentes" não sonham com o "absoluto"; sonham com o relativo. Eles devem lutar contra inimigos sem rosto: a eficiência corporativa, o downsizing da vida, a abolição do humano pela máquina. Hoje, o inimigo principal não é mais a "burguesia" gorda e fumando charuto; o inimigo é um método de "coisificação" global. Sim, mas estaremos vivos, o que exige projeto e esperança. O que podemos esperar da vida? Hoje, a felicidade já é considerada uma forma de bom funcionamento. Ser feliz é ser desejado. Felicidade é ser consumido, é entrar num circuito comercial de sorrisos e festas e virar um objeto de consumo. Hoje, confundimos nosso destino com o destino das coisas. Uma salsicha é feliz? Serei delicioso como um caviar Beluga? Fulano é um "espada", comporta-se com a precisão de uma Ferrari; Sicrana é gostosérrima, rebola como um liquidificador. Além disso, a felicidade hoje está na capacidade de "não ver". De negar. Felicidade é uma lista de negativas. Não ter câncer, não ler jornal, não sofrer pelas tragédias, não olhar os mendigos, ignorar o aquecimento global, não ver cadáveres no jornal, não ter coração. É o fim da piedade, da compaixão. Em breve, ficaremos todos psicopatas. Alem disso, assistiremos ao renascimento das religiões de massa, como já está ocorrendo. Os shows criminosos de falsos milagres e exorcismos na TV (que poderiam ser proibidos, mas quem tem peito?) já denotam o futuro. Vem aí uma pavorosa fome de transcendência, de falsos milagres. Deus, que estava na UTI , vai renascer, como um imenso deus de mercado. Mas este quadro de ficção cientifica que traço aqui talvez se aplique mais, na sua algidez, na sua frieza tecnológica, aos países desenvolvidos. Nosso futuro de ex-colônia, nossa índole de toupeiras talvez nos leve para um apocalipse mais lamaçento, um habitat mais de batráquios do que de robôs, sei lá eu... Até eu fiquei bodeado com este artigo-cabeça. Chega de sofrer. Vou ler a revista "Caras" e sonhar com mulheres nuas entre cascatas de camarão. |
Entrevista:O Estado inteligente
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