Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 14, 2007

Aprender a viver


O francês Luc Ferry pôs a filosofia nas listas de
livros mais vendidos – e sem baratear suas idéias


Jerônimo Teixeira


Filósofo fundamental do pensamento moderno, o alemão Immanuel Kant é complexo nas idéias e árido no estilo. O francês Luc Ferry, no entanto, leu a Crítica da Razão Pura quando tinha 15 anos. "Não entendi rigorosamente nada, mas tive a impressão de que aquele era um pensador importante, de que havia ali uma espécie de tesouro escondido", disse a VEJA o filósofo e ex-ministro da Educação da França, hoje com 56 anos. Ferry é autor de Aprender a Viver (tradução de Véra Lucia dos Reis; Objetiva; 304 páginas; 37,90 reais), um livro de divulgação filosófica que discute, de forma acessível mas séria, autores como Nietzsche, Husserl e Heidegger. A obra vendeu impressionantes 230.000 exemplares na França e respeitáveis 14.000 no Brasil. Já aparece há seis semanas na lista de mais vendidos de VEJA. Feito talvez mais extraordinário do que a precocidade de sua formação filosófica, Ferry transformou a filosofia em best-seller.

O desejo de ampliar a audiência da filosofia vem desde os anos 70, quando Ferry dava conferências públicas sobre o tema. Seu renome intelectual deve-se sobretudo à polêmica lançada por um livro escrito em conjunto com o colega Alain Renaut: O Pensamento de 1968 – Ensaio sobre o Anti-Humanismo Contemporâneo, de 1985, atacava as doutrinas da "crise do sujeito" defendidas pelas vacas sagradas da academia francesa de então – Foucault, Derrida, Lacan, Bourdieu – e propunha uma "refundação" do humanismo. Embora os dois autores tenham sido tachados de "jovens reacionários", Ferry também tem um bom trânsito entre os socialistas franceses. Por seu apartamento em Paris costumam passar figuras tão diversas quanto o atual candidato presidencial da direita francesa Nicolas Sarkozy, o ex-primeiro-ministro socialista Laurent Fabius e a modelo-e-cantora Carla Bruni. Ferry teve uma breve passagem pela política, como ministro da Educação do governo conservador de Jacques Chirac, entre 2002 e 2004. Enfrentou intermináveis greves de professores e causou polêmica ao impor a proibição de símbolos religiosos nas escolas francesas, incluindo o lenço que o islamismo tradicional prescreve para as mulheres. "Só os fundamentalistas se opuseram a essa medida", diz Ferry. "Milhares de jovens muçulmanas se sentiram liberadas do jugo intolerável que os avós, os pais, os irmãos e os imãs impunham a elas."

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Trecho de Aprender a Viver

É claro que Ferry não é nem o único nem o primeiro "popularizador" da filosofia. O norueguês Jostein Gaarder foi best-seller mundial ao recontar a história da filosofia com uma simpática moldura ficcional em O Mundo de Sofia. O suíço radicado na Inglaterra Alain de Botton tem se firmado como um "filósofo popular" – embora não tenha ainda freqüentado as listas de mais vendidos –, recorrendo a Sêneca ou Schopenhauer para consolar o leitor que sofre uma desilusão amorosa ou inveja o sucesso do vizinho. Nenhum dos dois, porém, vem de uma carreira acadêmica, como Ferry, que estudou nas tradicionais universidades de Sorbonne, na França, e Heidelberg, na Alemanha. Nos livros de Botton, em particular, a filosofia é reduzida a uma coletânea de citações cosméticas. Aprender a Viver, pelo contrário, explica sistematicamente o pensamento dos autores abordados. Ferry acredita que o sucesso de seu livro se explica pela premência que ele confere às idéias filosóficas: "A obra demonstra que a filosofia não é um mero exercício de reflexão crítica. É uma busca de saúde, da vida boa, uma tentativa de salvar nossa própria pele".

Salvação é a palavra-chave do livro. A filosofia, na visão de Ferry, é uma alternativa laica à religião: busca respostas para a angústia fundamental que todo ser humano tem ao tomar consciência de sua irremediável finitude. Aprender a Viver investiga as respostas que diferentes escolas filosóficas deram a esse problema (leia o quadro abaixo), encerrando-se com a alternativa do próprio Ferry, sua proposta – talvez excessivamente otimista – de um novo humanismo secular, que supere os becos sem saída construídos pela dúvida radical de pensadores como o alemão Friedrich Nietzsche. São idéias que o autor já apresentou, de forma mais "técnica", em livros anteriores, como O Homem Deus e especialmente O que É uma Vida Bem-Sucedida?, publicados no Brasil pela Difel. Aprender a Viver, porém, é voltado especificamente para o leigo, e em particular para o leitor jovem. O título, com certo jeitão de auto-ajuda, tem um apelo inegável, que talvez responda por parte do sucesso da obra – e talvez prometa mais do que este ou qualquer livro pode dar. A busca da vida boa, virtuosa, é de fato uma ambição ancestral dos filósofos. Qualquer resposta, porém, será sempre provisória e insuficiente. O entusiasmo de Ferry por seu humanismo secular não basta para matar a charada dessa esfinge antiga.

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