Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 03, 2007

Apagão da ordem e alguma história



Artigo - Vinicius Torres Freire
Folha de S. Paulo
3/4/2007

Indisciplina e apagão aéreo também derivam da falta de projeto para os militares no Estado redemocratizado

MOTIM É mesmo um fato muito grave. Contingentes armados em revolta, em especial aqueles que, antes de tudo, têm a função de últimos garantidores da ordem, sob o comando dos Poderes constitucionais, são a pior ameaça à República: a da violência pura. Não importa a origem da insubordinação: se de praças ou oficiais.
Isto posto, como lidar com a revolta dos sargentos do apagão aéreo?
Prisão em massa desde o início da crise, com a paralisia total da aviação civil (pois os sargentos especialistas no controle de vôo detêm o monopólio dessa força de trabalho)? Talvez a administração hábil e competente da crise grave não demandasse a alternativa radical e, em última instância, praticamente inviável.
O governo Lula não teve competência política ou administrativa em lidar com empresas aéreas, Infraero, militares, nada. Mas não está nesse caso específico a raiz do problema.
Dada a indefinição do papel das Forças Armadas na República, mesmo na redemocratização, há muita chance para azar e desordem. Primeiro, militares não devem prestar serviços de natureza civil, excetuados casos de emergência ou na educação e na pesquisa. A prestação de serviços "paisanos" introduz nas Forças Armadas a possibilidade de desordem tais como a da aviação.
Segundo, não chegou a haver a normalização final do estatuto dos militares no Estado redemocratizado. O ministro da Defesa é uma rainha da Inglaterra, para inglês ver. No início do governo Lula, o ministro do Exército deu-se ao desplante insubordinado de elogiar a ditadura.
Nada aconteceu. No Chile de tradição de quasifascismo militar, o oficial filho de Pinochet deu-se a gracinhas no enterro do pai. Foi posto para fora por Michele Bachelet. Terceiro, não há programa que defina funções explícitas para as Forças Armadas. Exemplo? A tropa e o comando se concentram em grandes cidades e entorno, fazendo formaturas e ordens unidas no vácuo. Para que tantos batalhões no Vale do Paraíba? Enquanto isso, a fronteira é a peneira rasgada por onde passam desde vacas babando aftosa a contrabandistas, traficantes de armas e mesmo terroristas vizinhos.
Sem tais definições, abre-se espaço para mais politização e crise nas Forças Armadas, no comando ou na base da tropa. Por ora, o Comando da Aeronáutica tem agido de modo ponderado. Mas sua atitude nas últimas horas começa a inquietar. Dada a insubordinação impune dos praças, sugere que pode abandonar postos, tais como o do comando da aviação civil. Um militar sabe o que significa abandono de posto. Parece pouca coisa, para civis. Assim como parecia a associação informal dos praças do controle de vôo.

Um pouco de história
Vários oficiais da Aeronáutica que se entregaram a atos terroristas chegaram a oficiais-generais. Por exemplo, os líderes do motim de Jacareacanga (1956), major Haroldo Veloso, e de Aragarças (1959), tenente-coronel João Paulo Burnier, tornaram-se oficiais-generais, brigadeiros. Sequestraram aviões, cidades, ameaçaram bombardear a sede do governo JK. Burnier, conhecido até na FAB como "carrasco", de tão radical foi posto para fora pelo ditador Médici.

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