Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 21, 2006

MERVAL PEREIRA -Mudança de ventos

O GLOBO
Soou ameaçador o comunicado do presidente Lula lido no programa eleitoral de terça-feira, no dia em que ficou demonstrado claramente que partira de sua campanha de reeleição a negociação em torno de um suposto dossiê contra os candidatos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra. Todos os envolvidos no episódio, absolutamente todos, tinham alguma função no comitê de Lula, além de serem petistas de carteirinha. Diante de tamanhas evidências, que a cada dia mais se avolumam com a participação direta do presidente do PT e ex-ministro de Lula, Ricardo Berzoini, e de um diretor do Banco do Brasil ligado ao partido, é inaceitável que venha o presidente lançar insinuações de que seus adversários querem “melar o jogo”.

A insinuação descabida, e mais o tom de sua mensagem “ao povo brasileiro”, pedindo calma e que não aceite provocações partidas do “desespero de perdedores”, pressupõe que o presidente Lula se considera em condições de convocar o povo para “defender” sua reeleição, se porventura os números que lhe são favoráveis hoje forem alterados na reta final da campanha em decorrência deste escândalo.

É a antiga ameaça de mobilizar os chamados “movimentos sociais” para enfrentar a oposição, quando esta ainda falava em impeachment de Lula, no início do escândalo original, o do mensalão, lá se vai mais de um ano. O interessante é que todos os problemas com que o governo vem se defrontando, rigorosamente todos, nasceram desse verdadeiro “Exército de Brancaleone” formado pelos membros da “república sindicalista” que está arraigada neste governo em mil e uma bocas.

De todos os lados surge um segurança transformado em assessor especial; um churrasqueiro nomeado diretor de finanças de um banco estatal; o marido da secretária particular que é especialista em temas trabalhistas e espionagem política; um diretor do Banco do Brasil que organiza dossiês contra adversários e levanta dinheiro para fazê-lo circular.

Um esquema mafioso que funciona na base da lealdade canina, e que protege o “chefe” em qualquer circunstância.

As trapalhadas em que o PT vem se metendo desde que virou governo federal seriam mesmo dignas das Organizações Tabajara da turma do Casseta, se não contivessem em si o veneno do autoritarismo, se não trabalhassem contra a democracia. A ineficiência de um Freud ou de um Delúbio não tem nada a ver com a gravidade dos atos que cometeram, acobertados pelo poder central de Lula, que cada vez mais se caracteriza como o chefe de todas as operações, quando não pelo comando direto, pelo menos pelo espírito de aparelhamento político do governo, que gera esse tipo de ação clandestina em defesa da manutenção do poder.

É cada vez mais claro que o que aconteceu foi uma tentativa de levar para o segundo turno a campanha pelo governo paulista, para desmoralizar José Serra e o PSDB no centro onde tucanos e o PT disputam o poder político do país, e de quebra acabar com qualquer possibilidade de Alckmin chegar a um segundo turno.

Alguém teve a brilhante idéia de matar dois coelhos com uma só cajadada: com a Presidência “no papo”, viram uma oportunidade de aniquilar com o PSDB paulista, onde Serra, com a possibilidade de vitória no primeiro turno, reafirma sua condição de principal líder político de uma futura oposição tucana. A descoberta do plano revelou a existência de uma equipe dentro da campanha de reeleição que se envolve em falcatruas variadas, uma maneira de atuar politicamente que vem das batalhas sindicais do ABC, as quais Lula conhece bem com que armas se disputam.

As falcatruas em que o PT se envolve desde os anos 90, quando assumiu prefeituras especialmente no interior paulista, só foram levadas em conta agora, que o partido passou a poder central. Diversas denúncias surgidas na época foram recusadas, como se fosse impossível o PT revolucionário e puro ser o mesmo PT metido no submundo.

Mesmo quando os indícios eram fortes, as acusações eram relevadas, como pecadilhos pontuais.

Somente as próximas pesquisas eleitorais, especialmente a de domingo, uma semana antes do pleito, poderão mostrar qual o grau de influência que este escândalo terá na corrida presidencial, mas é provável que tenha poder de levá-la para um segundo turno, o que já estaria sendo registrado pelo tracking telefônico da campanha tucana.

Nestes últimos dias de campanha, vai ser decisiva a situação dos dois outros candidatos que pontuam na eleição: Heloísa Helena se mantém na faixa de 10%, mas com tendência de queda, o que seria fatal para as pretensões dos tucanos.

Já o senador Cristovam Buarque cresce nas pesquisas e na percepção das ruas, e pode pelo menos compensar, na soma total de votos da oposição, uma eventual perda de eleitores de Heloísa Helena.

O problema é que essa troca de votos entre os três candidatos oposicionistas não interfere na posição de Lula. Ou ele perde uma parte de eleitores de classe média que estão com ele, mas sem muita convicção, ou nenhum resultado será alterado até o dia 1ode outubro, pois as classes D, e E dificilmente mudarão seus votos em tão pouco tempo.

Se, porém, houver segundo turno neste clima acirrado de denúncias de desvios éticos, aí sim é possível, com cerca de um mês de campanha eleitoral agressiva, tentar fazer voltar ao país o clima de perplexidade e desilusão com o governo que predominou a partir da denúncia do mensalão até o fim do ano passado, quando Lula apareceu nas pesquisas perdendo para José Serra e empatando com Alckmin num segundo turno.

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