O mercado financeiro, quando avalia a situação econômica e política brasileira, tem acreditado em quimeras fiscais e políticas. A verdade é que o cenário brasileiro tem dois graves problemas, e eles acabaram de piorar. O governo, que aumentou os gastos nos últimos anos, elevou ainda mais as despesas no ano eleitoral. As perspectivas políticas para o ano que vem, que já eram ruins, pioararam bastante com o caso do dossiê. A idéia do “acordão” ficou ainda mais improvável.
Na área política, o episódio do dossiê é a pá de cal na idéia de que se possa construir um acordão no próximo governo, que alguns analistas vinham apresentando como cenário em suas avaliações para o mercado financeiro. E muitas instituições têm interesse em acreditar na história de um acordo político que garanta a governabilidade, pois a maioria dos bancos montou posições no mercado financeiro apostando que os juros continuarão caindo, o dólar permanecerá baixo e o risco em queda. Um cenário “benigno”, como dizem. Uma reversão de posições é cara e perigosa. O mercado prefere manadas; ninguém gosta de estar sozinho numa posição. Por isso, a demanda ainda é por otimismo. Só que este produto — otimismo — está cada vez mais difícil de entregar depois da grande trapalhada que o próprio PT criou com o dossiê. Evidentemente, essa conspiração amadora e grosseira envenena completamente o ambiente político nesta reta final de campanha e aumenta muito a incerteza em relação ao ano que vem. O cenário fica mais imponderável.
Estamos num daqueles momentos em que não se sabe onde tudo vai acabar e a extensão dos estragos nas hostes governamentais. Ontem, a contaminação avançava rapidamente para atingir outros integrantes do PT e do governo. Todo o esforço do presidente era para conter o tamanho do estrago. O ambiente político está volátil e incerto.
Hoje o mercado reage a qualquer mudança do quadro que torne menos garantida a reeleição do presidente Lula. É o oposto de há quatro anos. Não gosta também de nada que derrube a idéia de que Lula se uniria a alguns integrantes da oposição, negociando com Aécio Neves, ou se aproximando de José Serra. Era nisso que vinha acreditando, mesmo contra todas as evidências. Agora, só se passar também a acreditar em carochinha. A briga política no país está aberta.
A crise pode não mudar o resultado eleitoral — em que Lula continua muito sólido — mas certamente aumenta a instabilidade política de um segundo mandato. O quadro já era delicado, porque Lula caminhava para ser eleitoralmente forte — na hipótese de vencer no primeiro turno —, mas politicamente fraco, pois terá pés de barro. O PT se enfraqueceu com toda essa sucessão de escândalos; terá bancada menor. A base parlamentar de Lula num possível segundo mandato será ainda mais fraca. Por isso, o ministro Tarso Genro vinha acenando com a tal “concertación”, na qual o mercado acreditava e dava tratos à imaginação, considerando verdadeiras histórias de negociações prévias para acordos pós-eleitorais.
Agora, com a guerra aberta, o que era uma fantasia considerada plausível fica completamente inverossímil. Isso aponta para um governo fraco, instável, atingido por crises políticas recorrentes. Desde o caso Waldomiro, este governo tem vivido num ambiente assim. Perdeu a capacidade de iniciativa legislativa, arquivou qualquer pretensão a fazer reformas, não regulamentou a reforma da Previdência e compensou sua fraqueza aumentando gastos.
Na área fiscal, o ambiente se deteriorou muito. Os dados mostram que o país cumpriu as metas fiscais; vai cumprir este ano. Mas quem olha além do resultado vê que o futuro está comprometido. O governo acelerou o aumento de gastos neste ano eleitoral e contratou novas pressões futuras. Portanto, há uma bomba fiscal para estourar.
O ano que vem será difícil economicamente. Em parte, por razões externas. O FOMC mostrou, no seu comunicado ontem, que pode estar começando uma queda mais forte da economia americana. Antes, o que se temia era nova alta de juros. Agora que já se sabe que eles não subirão, o medo é que a economia americana caia rápido demais. E o FOMC avisou que há pressões inflacionárias.
Parte dos problemas econômicos do Brasil em 2007 foi contratada aqui mesmo. Portanto, o cenário mais provável é o oposto da quimera em que o mercado financeiro vinha acreditando — para manter suas posições — de que a economia teria números “robustos” nas áreas fiscal e de crescimento, e que, no setor político, toda a briga eleitoral, todos os escândalos que rondaram o governo nos últimos dois anos, terminariam num grande abraço dos petistas com membros relevantes da oposição.
Os últimos tempos têm sido fartos em mostrar que essas análises eram o que o mercado chama de “wishful thinking”, ou expressão de um desejo. Não se sustentam quando comparadas com a realidade. Na área política, o ambiente está envenenado. Na área fiscal, os enormes gastos e compromissos de gastos futuros deste ano eleitoral tornam o cumprimento da meta fiscal mais difícil. Muito mais que isso, a equação fiscal brasileira é insustentável a médio prazo, e quem acompanha com realismo as contas brasileiras sabe que o risco é real. O cenário político e econômico não comporta simplificações.