O Globo
Se pegarmos exemplos da atuação parlamentar das novas ministras responsáveis pelos dois principais cargos do governo Dilma — Gleisi Hoffmann na Casa Civil e Ideli Salvatti nas Relações Institucionais —, fica claro que a relação do Executivo com o Legislativo não será facilitada. O apelido de Gleisi no Senado era "Ideli 2.0", a indicar que a representante paranaense podia ser mais agressiva ainda que sua ex-colega.
Em comum, as duas têm a característica de defender o governo a qualquer custo, a ponto de Gleisi pedir vista de qualquer projeto que fosse discutido na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para ter tempo de consultar o Planalto.
Um embate exemplar, na Comissão e em plenário, foi sobre o aumento do preço a ser pago ao Paraguai pela energia gerada em Itaipu, da qual a senadora Gleisi Hoffmann foi diretora.
O senador Itamar Franco se manifestou contra a proposta do governo, que aumentou em 200% o preço que pagamos ao Paraguai, alegando que esse reajuste repercutiria no consumidor brasileiro.
A senadora Gleisi Hoffmann, que era a relatora da proposta, aparteou Itamar afirmando que ele não entendia nada de política energética e que, mesmo tendo sido presidente da República, não aprendera a lição.
O ex-presidente deixou para responder no plenário do Senado, dias depois. Mandou projetar numa tela uma fórmula matemática complicadíssima e iniciou seu discurso perguntando à senadora Gleisi se ela sabia o que aquela fórmula significava.
Muito relutantemente Gleisi admitiu que não sabia do que se tratava, e Itamar então foi à forra.
Explicou que aquela era uma fórmula matemática criada em seu governo pelo ministro da Fazenda Eliseu Rezende, que, com base em uma complexa estrutura de custos para a geração de energia elétrica, equacionou os reajustes futuros das tarifas.
"Vamos abstrair de sua complexidade matemática e nos determos no que é essencial: o reajuste da tarifa não pode ser estabelecido apenas por fatores subjetivos ou políticos".
E ainda estranhou que a senadora Gleisi Hoffmann, tendo sido diretora de Itaipu, desconhecesse a fórmula.
Em outra ocasião, estava em questão uma proposta de que as operadoras de planos de saúde pudessem fazer o resseguro, relatada e acolhida pelo senador do PTB Armando Monteiro, da base do governo. Na reunião da última terça, dia 7, também o senador Lindbergh Farias, do PT, defendeu a aprovação do mesmo projeto.
A senadora Gleisi pediu vista, mesmo com a maioria dos senadores, de vários partidos, tendo se manifestado favoravelmente à medida. O senador Dornelles, que preside a CAE, perguntou qual era a dúvida que ela tinha, pois, se fosse uma questão técnica, ela poderia ser explicada na hora.
A senadora paranaense disse apenas que queria entender melhor a proposta, ao que Dornelles alegou que o assunto estava em pauta há três meses, tempo suficiente para que os senadores tomassem conhecimento dele e se decidissem.
Essa mania de Gleisi de pedir vista sobre todos os assuntos fez com que surgisse entre seus colegas senadores a intriga de que ela só se manifestava depois de receber instruções diretamente em seu iPad, que leva para a tribuna sempre que discursa, geralmente lendo o pronunciamento.
Já a ex-ministra da Pesca Ideli Salvatti, que vai comandar a coordenação política do governo nem sempre na base da "paz e amor", como já advertiu, tem problemas com um dos principais senadores do PMDB.
Na disputa entre PT e PMDB pela presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, ela foi vencida pelo senador Fernando Collor de Mello, do PTB, com o apoio do PMDB de Renan Calheiros, em um "acordo espúrio" denunciado na ocasião pelo então senador Aloizio Mercadante.
Uma comissão fundamental para o governo, no centro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que era a peça-chave da campanha presidencial da então ministra Dilma Rousseff.
Por ironia da política de resultados, o senador Renan Calheiros, que comandou a derrota da senadora Ideli Salvatti, do PT, tivera nela um dos maiores esteios quando esteve para ser cassado no episódio que lhe custou a presidência do Senado, acusado de pagar com dinheiro de uma empreiteira uma pensão que dava para a amante Mônica Veloso, mãe de uma filha sua.
O ânimo beligerante da senadora Ideli Salvatti, sempre disposta a mostrar serviço ao governo, protagonizou outro momento polêmico no depoimento da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que afirmava ter tido um encontro reservado e a sós com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que lhe teria pedido para encerrar um processo contra um filho do presidente do Senado, José Sarney.
A ex-secretária da Receita fizera um depoimento morno, dizendo até que não se sentira "pressionada", embora tenha considerado o pedido "incabível".
Tudo parecia resolvido para o governo, frustrando a oposição, e o líder Romero Jucá se deu por satisfeito, chegando até a ameaçar retirar-se do plenário da Comissão de Constituição e Justiça para esvaziar o restante do depoimento.
Naquele momento entrou em cena a vibrante líder petista, com uma agressividade que o momento já não pedia.
Partiu para um ataque feroz, relendo a entrevista que Lina Vieira dera à "Folha de S.Paulo", na qual ela se deixou levar por especulações, afirmando que entendera a interferência da ministra Dilma como um sinal de que o governo não queria confusão com o Sarney (que àquela altura era candidato à presidência do Senado).
Conclusão de Ideli Salvatti: "Ou a senhora mentiu hoje, ou mentiu para o jornal".
Chegou a ser engraçado ver o senador Renan Calheiros, pressentindo o desastre, enviar sinais de paz para a senadora Ideli Salvatti, que absolutamente não entendia que estava colocando tudo a perder para a base governista.
As novas chefe da Casa Civil e coordenadora política do governo têm em comum, como se vê, não apenas o estilo agressivo de fazer política, mas, sobretudo, a firme determinação de defender a presidente Dilma em qualquer circunstância.