O ex-diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, poderoso pelo
cargo e rico por casamento, é investigado por delegado e enfrentará um
tribunal comum de Nova York. Marcos Valério e Delúbio Soares são
investigados pelo procurador da República e julgados pelo Supremo
Tribunal Federal. Que país está errado? O STF virou até corte
criminal; e seus ministros, oráculos.
Quer saber se é possível casamento entre pessoas do mesmo sexo, se os
cientistas podem ou não fazer pesquisas com células-tronco, se os
Estados podem dar incentivos fiscais, se um ex-terrorista italiano
deve ou não ficar no Brasil, se uma terra é indígena ou não, se pode
haver marchas em favor da maconha?
Pergunte aos oráculos. O País chegou a um ponto estranho da nossa
democracia em que onze pessoas decidem sobre assuntos aleatórios,
substituem o Congresso, confirmam ou negam decisões do chefe do
Executivo, submetem os Estados, criam despesas públicas, interferem na
vida privada.
Na condição de oráculos da vida cotidiana, política e econômica eles
deixam o País dependurado em algumas questões e são definitivos em
outras. Já se sabe agora, graças a eles, que o órgão sexual é um
"plus", mas não se sabe se o imposto reduzido graças a incentivos
fiscais já concedidos será um plus no passivo das empresas ou não.
Da maneira como as coisas vão não será preciso governo, nem
parlamentares, basta consultar os onze detentores desse poder
vitalício de tudo arbitrar. Melhor ouvi-los, até porque todas as
decisões podem ser revogadas dependendo do entendimento da corte.
Claro que o Supremo é para decidir, em última instância, sobre
controvérsias nas interpretações constitucionais, mas há um evidente
exagero no número de questões levadas pelo País ao tribunal.
O Conselho de Política Fazendária, que reúne todos os secretários de
fazenda dos Estados federados, pode decidir sobre incentivos fiscais
estaduais; tem poderes e normas para isso. Se está havendo impasse, a
União - que como o nome indica deve unir os entes que decidiram se
organizar em federação - pode negociar uma reforma tributária ou então
mudanças normativas que organizem e simplifiquem a cobrança de
impostos entre os Estados.
O governador de São Paulo, antes de mandar a polícia reprimir
manifestantes em favor da maconha, poderia ter perguntado a opinião do
seu colega de partido, ex-presidente da República, que está provocando
o País para um debate mais contemporâneo sobre o tema.
Sobrecarregados em suas sobrecasacas os ministros do Supremo não
conseguem dar conta do recado. Pudera. Passam tardes inteiras em
discussões sobre sexo dos anjos em vez de cuidar do papel
institucional que devem desempenhar numa democracia madura, numa
federação que faça jus ao nome.
O foro privilegiado para quem tem mandato ou cargo federal é
discutível. Pior fica quando se decide que pessoas sem mandato devem
ser julgadas pelo Supremo Tribunal Federal simplesmente porque estão
apensos a um processo com alguém com privilégio ao foro.
O caso do mensalão prova essa distorção. Sabe-se o que fazem lá os
então deputados ou ministros, mas não o que fazem pessoas que sequer
tiveram um único voto, como Delúbio e Marcos Valério, entre outros
menos votados ainda.
Não se pode mudar nada a esta altura, sem o risco de atrasar ainda
mais o processo, mas o País poderia ao menos aprender com o episódio.
O julgamento do mensalão será de parar o País e de soterrar o
tribunal. Dias e dias serão necessários apenas para as considerações
dos advogados das partes envolvidas.
No dia 8 de julho termina o prazo de 30 dias dado pelo ministro
Joaquim Barbosa ao procurador-geral da República para que ele faça as
considerações finais sobre o processo do mensalão. Eram 15 dias, mas o
procurador pediu um prazo maior pela complexidade do caso. Depois
disso, os réus terão um tempo - eram 15 dias, mas pode ser elevado
para 30 - para fazerem também suas últimas considerações. O relator
então preparará o seu voto.
A previsão é de que quando o voto for apresentado só o julgamento
deverá tomar três semanas. Cada réu tem direito a uma hora de
sustentação oral do seu advogado. Se todos os advogados usarem esse
direito será mais de uma semana. Só a leitura do relatório demorará
vários dias.
Isso sem falar nas inúmeras preliminares que deverão ser levantadas
pelos ministros e nas questões ou questiúnculas que serão produzidas
pelos advogados.
Há quem considere que o caso está muito lento. Mas para os padrões
brasileiros não está. A entrevista-bomba do deputado Roberto Jefferson
foi dada em junho de 2005. Houve a CPI que consumiu o ano de 2005.
Houve toda a apuração do Ministério Público.
Em agosto de 2007 o Supremo Tribunal Federal recebeu a denúncia. Só
então começou a ação penal. Estamos portanto completando o quarto ano
da instrução. Só no caso de Pimenta Neves, réu confesso de homicídio,
a Justiça levou onze anos para decidir que ele deveria ser preso.
Para os tempos brasileiros até que o STF não está lento, levando-se em
conta que são muitos os réus e os crimes são mais difíceis de definir
do que um assassinato. A grande questão é se todos eles deveriam ter
sido mesmo julgados pelo STF ou se suas doutas eminências deveriam se
dedicar a questões menos criminais e mais constitucionais, como
estabelece a Constituição.