O que terá acontecido de tão extraordinário entre segunda e
quarta-feira da semana passada que fez o presidente do Senado e de seu
partido, o PMDB, mudarem de posição em relação ao sigilo imposto aos
orçamentos das obras para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016?
Segunda-feira, José Sarney levantava-se contra o sigilo previsto no
Regime Diferenciado de Contratações (RDC): "Temos de encontrar uma
maneira de retirar esse artigo, uma vez que dá margem inevitavelmente
a se levantar dúvidas sobre o orçamento da Copa. Por que o sigilo?".
Na terça, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, avisava que
certamente haveria modificações na medida provisória, mas, no mesmo
dia, Dilma Rousseff mandava informar que havia "espaço para
negociação" e despachava sua ministra de Relações Institucionais,
Ideli Salvatti, para conversar com o partido sobre o passivo de
pleitos acumulados.
Na quarta, Sarney calou. Quem falou foi o presidente em exercício do
PMDB, Valdir Raupp: "Não existe sigilo", disse, incorporando o
argumento que o governo vinha utilizando desde a sexta-feira anterior
e que até 48 horas não parecera convencer Sarney: "O texto busca
evitar o conluio de empresas no processo de licitação".
Para se acreditar na lisura do poder de convencimento do Palácio do
Planalto é preciso, então, aceitar que o presidente do Senado disse o
que disse de maneira leviana. Sem ler o texto do dispositivo na medida
provisória, sem contar com um único entre seus inúmeros assessores
para lhe alertar de que estava sendo precipitado ao qualificar o
referido artigo como suspeito.
Ou seja, para responder à pergunta inicial: nada de extraordinário
aconteceu entre segunda e quarta-feira da semana passada. A ocorrência
foi o que se pode nominar de ordinária. Nos dois sentidos.
Sarney, Jucá e companhia não queriam zelar pela transparência de coisa
alguma. Queriam apenas ser ouvidos.
Há quem tenha interpretado a mudança de posição do PMDB como
demonstração de que a presidente finalmente está se saindo bem nas
artes da política.
Na realidade é a indicação de que prevalece a mesma lógica, apenas com
o sinal trocado: se antes Dilma procurava resistir ao assédio do PMDB
e companhia, agora resolveu ceder.
O pano de fundo é igual. Toma-se a atividade política pelo mero, mais
fácil - mas não suficiente nem necessariamente eficaz - exercício
deslavado e rudimentar do fisiologismo.
Ou se resiste ou se cede a ele, mas não se tenta a via da negociação íntegra.
A comparação é de um político do PMDB com larga experiência no ramo:
"As obras da Copa estão hoje para a disseminação da barganha, como já
esteve a dita governabilidade para a justificativa de todo tipo de
malandragem".
Sob o guarda-chuva da "governabilidade" instituiu-se o fisiologismo
como regra e perpetram-se malfeitorias a mancheias. Agora começa a se
configurar cenário semelhante.
Qualquer coisa se faz, se explica com alusão à premência das obras.
Está acontecendo em vários Estados: contratos entre governos e o BNDES
para liberação de recursos em mais de 20% do valor dos projetos de
obras e cujas cláusulas não foram cumpridas estão simplesmente sendo
alterados por pressão dos governadores para se adaptarem às
circunstâncias, afrouxando as exigências.
Em nome da governabilidade, em nome da Copa, em detrimento da
integridade no trato do que pertence ao público.
Além do sigilo. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
preparou um documento para ser entregue à presidente Dilma Rousseff e
aos parlamentares apontando vários senões no RDC.
Embora entre eles esteja o sigilo, na visão da CBIC, enquanto se
discute este ponto, outros passam despercebidos. Por exemplo, o
sistema de contratação integrada pelo qual se exige 30 dias para
apresentação de propostas, quando o mínimo para a elaboração desde o
projeto básico ao orçamento detalhado seria de 150 dias.
Qual o problema? A indicação de que seriam favorecidas as empresas com
projetos previamente prontos, as únicas em condições de apresentar as
propostas no prazo estipulado.