O Estado de S. Paulo - 20/06/2011 |
O ministro Guido Mantega chamou a imprensa na semana passada para alardear: o risco americano, ou seja, o risco de se aplicar em títulos do governo americano, é maior que o risco Brasil. E isso, acrescentou, se explicava pela fraqueza da economia americana e pela fortaleza da nossa; pelo fracasso da política econômica lá deles e pelo sucesso da dele, Mantega. O ministro se baseava numa situação de fato insólita. Há um papel no mercado internacional chamado CDS (Credit Default Swap), uma espécie de seguro que o investidor compra para se proteger de eventual calote em títulos de governo. Assim: o sujeito compra um papel do Tesouro brasileiro e, para se proteger, um CDS vinculado. Quanto maior o risco de não pagamento da dívida, maior o preço do seguro (do CDS). Pois na semana passada o CDS americano de um ano custava mais que o papel brasileiro equivalente. Viram só? Qual é o outro lado da história? Não foi o risco Brasil que diminuiu, foi o americano que subiu. E por razões políticas. Nos EUA, republicanos, que têm a maioria no Congresso, se recusam a aprovar uma lei proposta por Barack Obama que aumenta o teto da dívida americana, já no limite. Nessa circunstância, o governo americano não pode emitir títulos novos para pagar os que estão vencendo e mais os juros. O que vai acontecer? O governo vai pagar em dólares (monetizar a dívida, encher o mercado mundial de mais moeda desvalorizada)? Teria recursos para isso? Ou vai atrasar os pagamentos? É mais provável que os republicanos estejam apenas esticando a corda, de modo a arrancar outras coisas do presidente Obama. Mas, enquanto isso, o CDS deles subiu, piorou no curtíssimo prazo. E vai cair quando se resolver o embrulho político. E foi tudo. Não decorre daí que o Brasil está melhor. Se estivesse, a taxa básica de juros aqui - os 12,25% do Banco Central - não seria a maior do mundo, disparada. A taxa real de juros não seria de 5,5% ao ano, enquanto está em torno de zero em boa parte do mundo e é negativa em muitos países, inclusive nos EUA. Para colocar os títulos da dívida de dez anos, os EUA pagam 2,9% ao ano e o governo brasileiro paga 4,7%, em dólares. Para se financiar em reais, o governo brasileiro paga 12,3% ao ano, e o Tesouro americano paga 0,5% em moeda local. Juros elevados num mundo de juros baixos exibem o sintoma da doença brasileira. Por que não caem? Essa é a pergunta que o ministro Mantega deveria responder. É nisso que deveria estar trabalhando. O Brasil melhorou muito, mas chegou a um ponto em que exige mudanças importantes para continuar avançando. Eis algumas histórias de que tomei conhecimento nos últimos dias: o advogado Eduardo Fleury, de São Paulo, estava numa conference call com clientes de uma empresa americana, preparando novos investimentos no Brasil. Estavam quebrando a cabeça para descobrir como superar as variadas barreiras burocráticas. Após algumas horas de conversa, o CFO americano comenta: "Mas será que vale a pena isso tudo?"; o diretor de uma empresa industrial alemã conversa com possíveis parceiros numa fábrica em São Paulo: "Mas por essas contas, o custo de produção no Brasil é 30% maior que na Alemanha. É isso mesmo?"; de um executivo francês que trabalha no Brasil e tem família em Santos: "Pelo telefone fixo, é mais caro falar de Santos para São Paulo do que de Paris para São Paulo. Como pode?"; de outro: "O Brasil tem tudo para produzir energia - rios, quedas d"água, ventos, petróleo, biocombustíveis e até minério de urânio. E tem também a energia mais cara do mundo. Como pode?"; um operador do JP Morgan, nos EUA, comentando com brasileiros: "O Brasil tem prazo de validade, vai até a Copa. Depois, todo mundo vai rever investimentos". E, por falar nisso, também ficamos sabendo que funcionários do governo brasileiro procuraram recentemente colegas alemães para buscar informações sobre a preparação da Copa. "Agora!?" - foi a resposta (e o espanto) dos alemães. A Copa tem sido uma das preocupações centrais do governo Dilma - e precisa mesmo ser assim. Há atrasos em todos os projetos e na organização geral. O Congresso ainda está votando a lei que regulamenta (e simplifica) as licitações de obras ligadas ao campeonato. O BNDES já tem os recursos para financiar estádios, mas a falta de alguma coisa (projeto, licitação, licença, contratos, etc.) tem bloqueado os empréstimos para obras cruciais. Na reforma do Maracanã, por exemplo, o governo do Rio está utilizando recursos próprios para não deixar as obras paradas enquanto espera o dinheiro do BNDES. Gasta, assim, verbas orçamentárias que deveriam ser destinadas a escolas, hospitais, segurança (os bombeiros!) e unidades de pacificação. Em São Paulo, a Odebrecht iniciou a terraplenagem do estádio do Corinthians por sua conta e risco. Simplesmente não há contrato assinado para as obras e a Câmara de Vereadores da cidade ainda está votando a lei que concede as reduções de impostos sem as quais o estádio não é viável. A Fifa vai anunciar a cidade da abertura da Copa agora em julho. E assim segue a ciranda. Foram impressionantes a inação e a incapacidade do governo Lula de colocar o evento num ritmo forte e seguro. O caso dos aeroportos é o mais visível. O que o atual governo percebeu - que o setor público não tem nem os recursos nem a capacidade para tocar as obras e os serviços necessários - estava amplamente demonstrado por analistas independentes desde que o Brasil ganhou o direito de sediar a Copa. Mas, além desse caso, por toda parte se encontra uma falha de governo - do federal, dos estaduais e dos municipais. Estamos de novo num ambiente do quebra-galho. A Copa vai sair assim, no puxadinho. Mas não se faz um país assim. Os problemas da Copa também são um sintoma. |
Entrevista:O Estado inteligente
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